STF julga a (ir)retroatividade da Lei de Improbidade Administrativa: impactos nos processos administrativos sancionadores

Em 18 de agosto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o julgamento do ARE nº 843.989, com repercussão geral reconhecida, no qual se discutia, dentre outros aspectos, a possibilidade de retroatividade das alterações realizadas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) pela Lei nº 14.230/2021. Ainda se aguarda a publicação do acórdão.

No julgamento, seguindo o entendimento do ministro relator, Alexandre de Moraes, o STF decidiu que a nova lei não retroage para os processos em que já houve o trânsito em julgado, mas deve ser aplicada imediatamente para os processos em curso, mesmo para fatos ocorridos na vigência da norma anterior.

Independentemente das discussões principiológicas que permeiam o tema, os ministros acordaram que, com o advento das modificações na Lei de Improbidade Administrativa, as decisões condenatórias a serem prolatadas nos processos em tramitação devem observar a nova norma mais benéfica já vigente.

Confira-se, abaixo, representação ilustrativa do entendimento do STF:

A tese fixada é relevante, uma vez que poderá ser aplicada ao Direito Administrativo Sancionador em geral, para além dos casos de improbidade administrativa, e servindo de parâmetro para a correta aplicação da lei/norma no tempo em processos administrativos sancionadores em trâmite em qualquer órgão da Administração Pública.

Isso porque, alguns órgãos da Administração Pública, especialmente no âmbito das Agências Reguladoras, têm adotado o entendimento de que eventual norma mais benéfica não deve ser aplicada para fatos pretéritos à sua vigência, mesmo nas hipóteses em que o processo sancionador ainda esteja tramitando. Dessa forma, esses órgãos utilizam uma interpretação equivocada do princípio tempus regit actum (tempo rege o ato), a fim de sustentar que eventual decisão condenatória deve se pautar na norma vigente à época da infração.

Tal entendimento, contudo, deve ser revisto pela Administração Pública, a fim de se adequar ao entendimento do STF no julgamento em referência, o qual possui efeito erga omnes por força da repercussão geral.

Isso porque, conforme entendeu o STF, a base temporal para eventual responsabilização não é o período de ocorrência da infração, mas, sim, a época da decisão condenatória. Portanto, o princípio do tempus regit actum deve ser interpretado de forma a considerar que a norma vigente ao tempo da decisão condenatória deve determinar a caracterização (ou não) de eventual infração nos processos em curso.

O voto do ministro Alexandre de Moraes é categórico neste sentido, ao considerar que “tendo sido revogado o ato de improbidade administrativa culposo antes do trânsito em julgado da decisão condenatória; não é possível a continuidade de uma investigação, de uma ação de improbidade ou mesmo de uma sentença condenatória com base em uma conduta não mais tipificada legalmente, por ter sido revogada […] em virtude ao princípio do tempus regit actum, não será possível uma futura sentença condenatória com base em norma legal revogada expressamente”.

Por fim, a despeito do avanço interpretativo alcançado pelo STF, que irá impactar diretamente na aplicação do Direito Administrativo Sancionador e, principalmente, na salvaguarda dos direitos dos administrados que litigam em processos punitivos, entende-se que o julgamento poderia ter sido uma boa oportunidade para a consolidação e reafirmação, em sede de repercussão geral, de entendimentos já exarados monocraticamente por seus ministros, relativos à profunda conexão do direito administrativo sancionador com o direito penal, agregando ao primeiro a principiologia do segundo.

O time de regulatório do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados segue acompanhando a evolução jurisprudencial e os impactos nos setores regulados.