Entidades do setor elétrico afirmam ser favoráveis à abertura do mercado para consumidores em baixa tensão, mas apontam necessidade de medidas regulatórias

Dando continuidade à abertura gradual do Mercado Livre, inaugurada pela Lei nº 9.074/95, o Ministério de Minas e Energia (MME) avançou mais uma etapa na proposta de redução do limite de carga para contratação livre de energia por parte dos consumidores conectados em baixa tensão.

A Consulta Pública (CP) nº 137 recebeu contribuições entre os dias 3 de outubro e 3 de novembro de 2022 de, ao menos, 53 entidades do setor elétrico brasileiro, incluindo associações, conselhos de consumidores, geradores, transmissoras, distribuidoras e comercializadoras. O relatório expõe que mais de 94% dos agentes são favoráveis à proposta de abertura; as três contribuições contrárias foram aquelas que suscitaram a necessidade de equacionamento dos problemas identificados previamente, não sendo avessas à ideia de abertura ampla em si, mas apenas à forma como foi proposta.

Contudo, mesmo parte dos agentes favoráveis também expuseram condicionantes para a abertura, ou seja, defendem que alguns temas – como o tratamento dos contratos legados, a definição da função do Supridor de Última Instância (SUI), dentre outras questões a serem reguladas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), cujas implicações são tarifárias – deveriam ser discutidos e definidos previamente à aprovação da proposta, especialmente como forma de revestir a decisão da maior segurança jurídica quanto possível.

O cronograma proposto pelo MME também foi pauta das sugestões dos agentes envolvidos, sendo que 20% deles opinaram por um prazo maior para a abertura.

A respeito da separação das atividades de distribuição e comercialização de energia (“fio” e “energia”), a maioria das distribuidoras afirmou ser favorável à iniciativa, destacando, nada obstante, a necessidade de aprofundar discussões relacionadas ao modelo da atividade de comercialização de energia no mercado regulado.

Já acerca da desagregação do “lastro” e “energia”, os agentes de distribuição também defenderam sua efetivação, de modo que o MME está sinalizando que a implementação do mercado de reserva de capacidade já atenderia o objetivo de equilibrar os custos sistêmicos entre o Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e o Ambiente de Contratação Livre (ACL), sem prejuízo da continuidade das discussões sobre o tema, que, por sua vez, é objeto da CP MME n° 146/2022.

Supridor de Última Instância

Com relação à figura do Supridor de Última Instância (SUI) foram feitas relevantes contribuições: a Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) suscitou que tal função não deve ser imposta às distribuidoras; afinal, segundo a associação, vale a prerrogativa de aceitar o retorno de um consumidor ao mercado regulado em até 5 anos, conforme texto legal vigente.

Quanto ao tema, o MME indicou que a atividade de SUI possui natureza competitiva e, portanto, poderá ser desempenhada por outros agentes que não sejam concessionários de distribuição.

Também foram recebidas contribuições no sentido de qualificar o SUI como atividade de caráter exclusivamente emergencial, devendo os consumidores inadimplentes terem seu fornecimento de energia interrompido, caso não sanem suas pendências, ou seja, o atendimento via SUI deve ser limitado aos consumidores que tiverem seus varejistas desligados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Outro ponto de contribuição foi quanto à mudança do prazo de suprimento garantido do SUI ao consumidor desassistido, de 90 para 180 dias. As contribuições também indicaram que o suprimento nessa qualidade fosse acompanhado de um aumento gradual da tarifa, de forma a estimular a busca de um novo fornecedor por parte do consumidor.

Medição de energia consumida

Quanto à medição da energia consumida, as contribuições foram no sentido de que a agregação dos dados de medição poderia ser prestada pelas distribuidoras, ao menos em um primeiro momento, a ser substituída por uma forma competitiva de modo perene, competindo à Aneel o tratamento regulatório que deve ser aplicado a esses dados.

Além desse ponto, diversos agentes foram favoráveis à substituição dos aparelhos de medição do faturamento dos consumidores, defendendo que a troca é desejada ou essencial, desde que por meios que garantam a sua viabilidade econômica e técnica.

Contratos legados

No que concerne ao tratamento dos contratos legados, o MME reiterou sua posição de respeito aos contratos, em homenagem à segurança jurídico-regulatória, manifestando não possuir pretensão no sentido de alterar unilateralmente os acordos. Contudo, manifestou interesse em buscar negociar com os signatários medidas de redução dos prazos.

Outra sugestão de tratamento dos legados seria a criação de um agente centralizador, que poderia ser a CCEE e/ou o SUI, responsabilizando-se pela gestão dos contratos legados, além da realocação da energia entre os agentes, realização de leilões para contratação de energia no mercado livre e liquidação da energia no mercado de curto prazo.

Independentemente das medidas, o MME destacou a importância de se definir um cronograma de abertura que dê previsibilidade às distribuidoras, de modo que essas possam ajustar suas declarações de compra, evitando ao máximo a criação de novos legados.

Leilões de energia

Com relação aos leilões de energia, foram recebidas contribuições para priorização de compra de energia mais barata, de modo que se direcione os contratos com térmicas, por exemplo, para os leilões de capacidade, preferencialmente com lastro.

Nesse sentido, os agentes convergem com o entendimento do próprio MME, de que direcionar a contratação para leilões de energia existente com contratos com prazo de suprimento menores parece ser uma solução necessária, já que os contratos de energia existentes possuem cláusulas de redução de montantes, o que confere maior flexibilidade às distribuidoras na gestão do seu portfólio.

Também houve um consenso quanto à necessidade de aprimoramento dos instrumentos para o ajuste do portfólio das distribuidoras como melhoria nos Mecanismos de Venda de Excedentes (MVE) e de Compensação de Sobras e Déficits (MCSD), a regulamentação da descontratação de que trata a Lei nº 14.120/21, a divulgação dos montantes de contratação involuntária por parte da Aneel e a possibilidade de descontratação bilateral dos contratos. Na mesma toada, os agentes também concordaram com a criação de encargos incidentes sobre a migração e sobrecontratação.

Subsídios e tarifas

O MME recebeu contribuições contrárias à manutenção do subsídio para compra de energia proveniente de fontes incentivadas pelos consumidores conectados em baixa tensão, reiterando sua posição de que tais benefícios podem ser ineficientes e somente defensáveis em casos específicos como de consumidores de baixa renda. Além disso, o MME salientou que tal tema é objeto de reserva legal, sendo necessárias alterações na legislação vigente para instaurar ou suprimir tais subsídios.

Sobre as tarifas, foram recepcionadas dez contribuições no sentido de que a regulação deve avançar na definição da tarifa binômia ou multipartes, de forma que a estrutura tarifária possa ser modernizada e o consumidor beneficiado por meio da sua própria gestão do consumo, ou seja, de modo que possa ser alcançado o open energy e a digitalização do mercado de energia.

As discussões também abordaram a questão da representação de consumidores na CCCE e, nesse ponto, a minuta de Portaria indica que a migração de um consumidor conectado em baixa tensão esteja condicionada à representação na Câmara por um agente varejista, tendo em vista os custos e riscos associados ao acesso individualizado por consumidor. Foram recebidas contribuições no sentido de ampliar o rol de possíveis representantes dos consumidores de baixa tensão na CCEE, contudo, o MME entende que o assunto possui natureza regulatória, não devendo ser objeto de portaria ministerial, mas de discussões junto à Aneel.

Por fim, diversas contribuições trouxeram sugestões de temas de competência regulamentar, que serão oportunamente tratados pela Aneel como a definição de padrões de medições, tratamento de dados de medição e faturamento, prazos de migração e retorno, tratamento da inadimplência, condições contratuais do varejo, combate a monopólios e o robustecimento da segurança de mercado.

Quanto à conclusão da Consulta Pública, cabe registrar que, em razão da troca de governo e da transição na pasta de Minas e Energia, o ato normativo não chegou a ser publicado, ficando a cargo da nova composição ministerial o seguimento ou não da abertura nos termos propostos pela gestão anterior.

De todo modo, as contribuições dos mais diversos agentes do setor elétrico coletadas pelo MME confirmam que a abertura do mercado de energia elétrica continua sendo uma medida inevitável e imprescindível, que favorecerá o aprimoramento da competitividade dos agentes econômicos envolvidos e o empoderamento do consumidor do setor elétrico, sendo certo que o governo empossado deverá conferir especial atenção ao tema com vistas à modernização do Setor Elétrico Brasileiro.

O Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados segue acompanhando as movimentações e atualizações do setor elétrico, e se coloca à disposição para esclarecer eventuais dúvidas sobre o tema.