Receita Federal regulamenta transação tributária

A Receita Federal publicou, em 11 de agosto, a Portaria RFB nº 208 que regulamenta a transação na cobrança de créditos tributários sob a administração da instituição. Tal regulamentação somente foi possível após a recente alteração promovida pela Lei nº 14.375/2022 à Lei nº 13.988/2020 para prever a possibilidade de transação dos créditos tributários que estão na fase administrativa, antes da inscrição em dívida ativa. A ampliação da transação foi bastante comemorada, pois antes era limitada apenas aos débitos de responsabilidade de Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

A Portaria em questão dispõe que as modalidades de transação são: (a) por adesão à proposta da RFB; (b) individual proposta pela RFB; e (c) individual proposta pelo contribuinte.

Segundo a Receita, mesma na pendência de julgamento de impugnação, de recurso, de petição ou de reclamação administrativa, é possível a realização da transação.

A nova portaria, além de tratar de uma série de obrigações a serem observadas pelos contribuintes, dispõe que a RFB a seu exclusivo critério poderá:

– exigir o pagamento de entrada mínima e a manutenção dos arrolamentos e demais garantias associadas aos débitos transacionados, quando o débito estiver parcelado, em moratória ou em diferimento; e

– tratar de concessões que são, em linhas gerais: (a) oferecimento de descontos aos débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação; (b) utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); (c) possibilidade de parcelamento; (d) possibilidade de diferimento ou moratória; (e) flexibilização das regras para aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias; e (f) possibilidade de utilização de créditos líquidos e certos do contribuinte em desfavor da União, reconhecidos em decisão transitada em julgado, ou de precatórios federais próprios ou de terceiros, para fins de amortização ou liquidação de saldo devedor transacionado.

No tocante à utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL, é vedado que o contribuinte utilize créditos em valor superior a 70% do saldo a ser pago, e será cabível na transação a ser proposta pela RFB, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor. Essa é uma diferença relevante em relação à Portaria da PGFN, que veda expressamente a utilização de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL nas transações por adesão e na transação individual simplificada (art. 37 da Portaria nº 6.757/2022).

Ainda em relação aos créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL, a sua utilização será também a critério da RFB, e poderão ser usados para amortizar o principal e demais acréscimos legais de quaisquer débitos, e não apenas irrecuperáveis ou de difícil recuperação, como previsto na Portaria da PGFN. Ou seja, a RFB deu aos créditos tributários do contencioso administrativo tratamento mais benéfico que a PGFN.

A RFB dispõe do prazo de 5 anos para a análise dos créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL, que extingue os débitos sob condição resolutória de sua ulterior homologação.

Também é vedada a transação que: reduza o montante principal do crédito; implique redução superior a 65% do valor total dos créditos a serem transacionados; conceda prazo de quitação dos créditos superior a 120 meses; envolva valores de indenização por tempo de contribuição confessadas; refira-se a valores devidos em decorrência de restituições pagas indevidamente, quando de natureza financeira; envolva créditos tributários objeto de acordo ou transação celebrado pela Advocacia-Geral da União (AGU); e se relacione a devedor contumaz.

Ao contrário da Portaria PGFN, não é necessário abranger na transação todos os créditos tributários elegíveis, sendo possível a adesão parcial. Para isso, o contribuinte poderá combinar uma ou mais modalidades disponíveis.

Tal como prevê a PGFN, a Portaria da RFB também dispõe que é vedada a moratória e o parcelamento em prazo superior a 60 meses para as contribuições sociais sobre folha de salários (do empregador e do trabalhador), além de proibir que o contribuinte que teve a transação rescindida recebe ou proponha proposta pelo prazo de 2 anos.

A Portaria trata também dos parâmetros para aceitação da transação, bem como sobre a mensuração da situação econômica dos contribuintes e do grau de recuperabilidade das dívidas, a ser calculada a partir da capacidade de o contribuinte conseguir efetuar o pagamento integral dos débitos no prazo de 5 anos, sem descontos.

Observada a capacidade de pagamento do sujeito passivo, os créditos serão classificados em ordem decrescente de recuperabilidade, dentre os quais estão os irrecuperáveis, assim considerados como aqueles: (a) constituídos há mais de 10 anos; (b) de titularidade de certos tipos de devedores; (c) de pessoas jurídicas que possuam alguma irregularidade em sua situação cadastral no CNPJ; e (d) de pessoa física com indicativo de óbito.

Por sua vez, é garantido ao contribuinte apresentar pedido de revisão quanto à sua capacidade de pagamento.

Seguem algumas das características das transações:

(a) Transação por adesão

Nessa modalidade, a proposta de transação será realizada mediante publicação de edital que conterá, dentre outros, o prazo para o contribuinte aderir, os critérios para elegibilidade dos débitos e os critérios impeditivos à transação.

Ao aderir à proposta, o contribuinte deverá autorizar a compensação de valores relativos a restituições, ressarcimentos ou reembolsos, inclusive de precatórios federais de que seja credor, com prestações, vencidas ou vincendas, do acordo, no momento em que houver a disponibilização financeira, além de renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem ações judiciais, incluídas as coletivas, ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação.

O valor do débito em contencioso administrativo fiscal igual ou inferior a R$ 1 milhão será, exclusivamente, objeto de transação por adesão.

Por fim, adesão à transação proposta pela RFB implica manutenção automática dos gravames decorrentes de arrolamento de bens e das demais garantias associadas aos débitos transacionados.

(b) Transação individual

A nova Portaria ainda permite, sem prejuízo da possibilidade de adesão à proposta de transação formulada pela RFB, que os seguintes devedores possam propor ou receber proposta de transação individual:

(a) cujo valor consolidado dos débitos objeto de contencioso administrativo fiscal for superior a R$ 10 milhões; e

(b) devedores falidos, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial ou extrajudicial ou em intervenção extrajudicial.

(c) Entes Públicos (estados, municípios, autarquias, etc)

b.1) Transação individual proposta pela Procuradoria

A RFB poderá formular proposta de transação individual e deverá expor os meios para a extinção dos créditos nela contemplados.

É ofertado ao contribuinte apresentar contraproposta, a qual observará os mesmos procedimentos para apresentação de proposta de transação individual pelo devedor.

(b.2) Transação individual proposta pelo devedor

A norma também permite que o contribuinte formule proposta de transação à RFB, detalhando, entre outros, a sua situação econômica, patrimonial e financeira, as razões da crise econômico-financeira e sua capacidade de pagamento, bem como o plano de recuperação fiscal com a descrição dos meios para extinção dos débitos.

A Receita poderá aceitar a proposta de contribuinte que integre grupo econômico de fato nas mesmas condições que seriam acordadas com o devedor principal do grupo, ainda que mais benéfica.

Cabe recurso administrativo da decisão que recusar a proposta de transação individual apresentada pelo contribuinte. De todo modo, havendo recusa, a decisão deverá apresentar ao contribuinte as alternativas e orientações para regularização de sua situação fiscal.

(c) Transação Individual Simplificada

A Portaria da RFB também prevê a possibilidade de o contribuinte formular proposta de transação individual simplificada, que é uma modalidade trazida pelo órgão em linha com o previsto na Portaria PGFN nº 6.757/2022, que criou esse novo tipo de transação.

Segundo a Receita, poderão propor ou receber proposta de transação individual simplificada os contribuintes que possuam débitos objeto de contencioso administrativo fiscal com valor superior a R$ 1 milhão e inferior a R$ 10 milhões. Esse mesmo parâmetro é usado pela PGFN para a transação simplificada dos débitos de sua responsabilidade (dívida ativa).

 

A transação individual simplificada alcança débitos objeto de contencioso administrativo fiscal que não podem ser objeto de transação individual “ordinária”, seja ela proposta pelo contribuinte ou pela administração fazendária. Isso porque esta modalidade exige, como requisito, débitos acima de R$ 10 milhões, salvo de envolver empresas falidas, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial ou extrajudicial ou em intervenção extrajudicial, bem como Entes Públicos.

Essa modalidade de transação conterá a indicação do plano de pagamento para integral quitação dos débitos, dentre outras informações.

A RFB poderá oferecer contraproposta se indeferir o pedido formulado pelo contribuinte.

O pagamento da primeira parcela formalizará o acordo e implicará anuência com o termo de transação individual simplificada por parte do contribuinte, e, em até 60  dias da sua celebração, o contribuinte apresentará prova de constituição da garantia sobre os bens e direitos ofertados e aceitos pela RFB.

Se a proposta de transação for indeferida pela RFB, o contribuinte poderá recorrer da decisão.

Qualquer uma das transações será rescindida caso o contribuinte incorra em algumas das situações listadas pela portaria, como, exemplificativamente, o descumprimento das condições, das cláusulas, das obrigações ou dos compromissos assumidos; e a constatação de ato tendente ao esvaziamento patrimonial do devedor como forma de fraudar o cumprimento da transação, ainda que realizado anteriormente a sua celebração.

Por fim, a nova portaria permite ao contribuinte utilizar créditos líquidos e certos, reconhecidos em decisão judicial transitada em julgado, ou precatórios federais, próprios ou de terceiros, para amortizar ou liquidar saldo devedor transacionado, além de enumerar os procedimentos a serem adotados.

A portaria da RFB entra em vigor a partir de 1º de setembro deste ano, com exceção da parte que dispõe sobre a transação individual simplificada, que entrará em vigor apenas no dia 1º de janeiro de 2023.

Nota-se, assim, que a transação tributária, aos poucos, está sendo ampliada para alcançar diversas situações, mas a possibilidade de descontos sobre o crédito tributário ainda é restrita aos débitos de difícil recuperação ou irrecuperáveis.

O escritório se mantém à disposição para esclarecimento de dúvidas sobre a nova regulamentação, bem como de qualquer auxílio que se faça necessário.