Qualidade regulatória: notas sobre a instrução número 60/2022

Com vigência iniciada no primeiro dia deste mês de setembro, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE, ligada ao Ministério da Economia) publicou a Instrução Normativa nº SEAE/ME nº 60/2022, visando “acompanhar a implementação e manifestar-se quanto ao impacto regulatório dos modelos de regulação das agências reguladoras e dos Ministérios setoriais”, oportunidade em que estabeleceu as etapas e metodologias que devem ser observadas na implementação dos modelos de análise de impacto dos reguladores.

A novidade normativa, ao regulamentar o acompanhamento e controle dos processos de impacto regulatório nas agências, traz consigo alguns pontos que merecem atenção no tocante à qualidade regulatória.

Importante rememorar que a atividade regulatória em geral (incluindo, portanto, os procedimentos de qualidade regulatória), além das formas de controle constitucionalmente previstas sob a égide do princípio da separação de poderes, também deve ser acompanhada pelos diferentes Ministérios de Estado setoriais, como consta nas respectivas leis de criação das agências reguladoras¹. Trata-se de uma vinculação importante para a manutenção da segurança jurídica e coerência com as políticas públicas e diretrizes nacionais, mas com a preservação da autonomia e independência que é inerente às agências reguladoras independentemente do setor.

A partir do vínculo legal com o ministério, portanto, são criadas diferentes regras de controle e acompanhamento estabelecidos em regulamentações infralegais, como o Regimento Interno dos Reguladores ou os Contratos de Gestão celebrados entre a agência e o Ministério de Estado ao qual está vinculada.

No mesmo sentido, a Lei das Agências Reguladoras (LAR)² estabelece inúmeras regras de prestação de contas e de controle social que reforçam a necessária governança regulatória, tais como: o controle externo do Congresso Nacional e do Tribunal de Contas da União (TCU); explicitada a necessidade de cumprimento das políticas setoriais definidas pelos poderes Legislativo e Executivo; determinado o estabelecimento de uma ouvidoria; estabelecida a obrigação de interação entre os reguladores e os órgãos de defesa da concorrência, do consumidor e do meio ambiente, além da necessidade de articulação das próprias agências entre si.

É neste contexto de governança, preocupação com o processo de qualidade regulatória, acompanhamento ministerial e controle que a LAR, ao dispor sobre o processo decisório das agências, prevê a incidência da atuação do Ministério da Economia (ME). Assim, a Lei estabeleceu que a realização de Análises de Impacto Regulatório (AIR) preferencialmente seja na forma de consulta pública, prévia à tomada de decisão pela respectiva entidade colegiada do ente Regulador – Diretoria ou Conselho, processo no qual o órgão responsável no Ministério da Economia (ME) deverá “opinar, quando considerar pertinente, sobre os impactos regulatórios de minutas e propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados submetidas a consulta pública pela agência reguladora”.

Em regulamentação da AIR em âmbito federal³, o Poder Executivo determinou que a competência opinativa estabelecida na LAR seria exercida pela Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade, da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do ME. Posteriormente, referido órgão acabou sendo extinto, suas funções foram atribuídas à Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) .

A fim de exercer sua competência estabelecida pela LAR, a SEAE publicou a já mencionada Instrução Normativa (IN) SEAE/ME nº 60, de 16 de agosto de 2022. A norma traça os objetivos e critérios de todas as “Macroetapas da Análise de Impacto Regulatório”, quais sejam, (i) a definição do problema regulatório, (ii) a definição das alternativas regulatórias, (iii) a análise comparativa das alternativas regulatórias, e (iv) a decisão regulatória.

Especialmente para a fase de análise das alternativas regulatórias, o novo normativo arrola quais são as metodologias consideradas válidas, explanando seus respectivos critérios e objetivos. Elencaram-se as análises i. multicritério, ii. custo-benefício, iii. custo-efetividade, iv. de custo, v. de risco, vi. risco-risco, ou vii. outras, desde que a metodologia seja devidamente justificada.

São estabelecidos ainda os elementos que deverão compor o Relatório de AIR (RAIR), que sumariza todo o processo de impacto regulatório da agência reguladora para subsídio da decisão regulatória que será exarada pela autoridade competente.

Não obstante o importante reforço do acompanhamento ministerial no processo de qualidade regulatória, bem como a regulamentação e especificação de pontos essenciais na implementação deste processo, há alguns pontos relevantes ainda não previstos.

Como exemplo, verifica-se que não restou explícito na norma quais as consequências e impactos do exercício da competência da SEAE no processo regulatório efetivamente. A LAR somente estabelece que a SEAE deverá “opinar, quando achar pertinente”, sem esclarecer em qual momento ou macroetapa do processo de AIR essa opinião deverá ser exarada, tampouco a forma que deverá observar ou se haverá ônus argumentativo para a Secretaria quando esta decidir não opinar. Trata-se, portanto, de ponto totalmente deixado à ampla discricionariedade da SEAE, o que em casos de controle externo deve-se evitar, de modo a não configurar arbitrariedade e garantir a função de acompanhamento efetivo.

Outro ponto que também não foi definido na novidade normativa é se a avaliação da SEAE acerca do processo de impacto regulatório vincula total ou parcialmente o Regulador, bem como se a Agência Reguladora pode ou não se insurgir em face da opinião exarada pela SEAE.

Nestes dois pontos salientados, não resta claro se a faculdade a ser exercida pela SEAE (de manifestar-se sobre) é de mero acompanhamento e orientação, ou se também representa forma de controle efetivo com algum poder de correção sobre as agências reguladoras no tocante aos processos de impacto regulatório. Ou seja: trata-se de uma manifestação meramente opinativa ou vinculativa?

Da leitura da IN nº 60/2022 vê-se claramente a preocupação em especificar e descrever mecanismos importantes e metodologias aplicáveis, pormenorizando aspectos e requisitos essenciais dos processos de análise de impacto regulatório, deixando claro o nível de fundamentação que deve constar nestes processos de tomada de decisão, mas não se pode afirmar acerca da vinculação efetiva de tais previsões Seria este um ponto que compromete a eficácia do acompanhamento ministerial?

Vê-se que as previsões da nova instrução normativa refletem as orientações de boas práticas e benchmarkings internacionais, especialmente aqueles fomentados ao longo dos anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, portanto, consolidam em um único diploma, diretrizes essenciais que contribuem para um processo regulatório de excelência. Contudo, como fica em aberto o alcance do controle e se a verificação de tais parâmetros de boas práticas será feita de forma efetiva e vinculativa pela SEAE, pode-se estar diante de alguma insegurança jurídica.

Portanto, ao regulamentar a “competência opinativa” da SEAE/ME sem parametrizar o alcance e as consequências de seu exercício, pode-se comprometer a segurança jurídico regulatória na medida em que não se sabe quais interferências in concretum poderão decorrer da análise e acompanhamento ministerial.

Frisamos, por fim, que o acompanhamento ou monitoramento do processo regulatório não apenas é legítimo e amplamente previsto na legislação, e está de acordo com os princípios constitucionais que se aplicam à atividade regulatória, como também é importante e bem-vindo para aprimorar o processo de qualidade e excelência regulatória.

No entanto, há de se considerar a importância que sejam definidas ainda a forma, alcance e limitações do exercício de tal monitoramento ou controle, de modo a preservar a autonomia e deferência técnica do regulador, mas manter a inafastável observância dos princípios para concretização da boa regulação: eficiência, legalidade, publicidade, coerência regulatória, dentre outros.

¹Como exemplo, no caso da Aneel, a Lei nº 9.427/98 expressamente prevê a vinculação ao Ministério de Minas e Energia e a articulação com o Ministério da Justiça em alguns casos.
²Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019.
³Decreto nº 10.411, de 30 de junho de 2020.
Decreto nº 11.159, de 1º de agosto de 2022.