Precisamos falar sobre o terço de férias

A insegurança jurídica, especialmente no que se refere à tributação, é reconhecidamente um dos problemas mais sérios para o desenvolvimento da economia brasileira. A profusão de normas legais e infralegais, editadas diariamente pelos diversos entes tributantes, a dificuldade na interpretação e aplicação desse arcabouço jurídico e o alto grau de litigiosidade, entre outros, compõe esse cenário.

O Poder Judiciário desempenha um papel extremamente relevante na construção de uma realidade que traga mais segurança jurídica para contribuintes, autoridades fiscais e investidores. Por isso, a busca de um sistema processual mais célere, coerente e que pacifique as controvérsias jurídicas é a grande tônica do atual Código de Processo Civil (CPC). A instituição do chamado “sistema de precedentes”, centrado nas decisões de cunho vinculante de competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), tem como objetivo a padronização decisória e a estabilização da interpretação normativa e, consequentemente, das relações sociais.

Os contribuintes, notadamente as empresas, necessitam da pacificação das controvérsias sobre a validade e interpretação da legislação fiscal. Seja de forma favorável ou desfavorável aos seus interesses, a ciência sobre o posicionamento definitivo do Judiciário é fator muito importante para o planejamento das suas operações econômicas, impactando questões como custo de produção, margem de lucro e capacidade de investimento. Além das consequências em seus processos individuais, no que se refere a provisões, depósitos, contingências tributárias a serem extintas ou se tornarem contas a pagar.

Por isso, precisamos falar do julgamento pelo STF do Tema 985 da repercussão geral(RE nº 1.072.485), que teve a aprovação da tese de que “é legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”.

Deixando de lado a visão pessoal de que a Corte não efetuou a melhor interpretação constitucional, já que o terço tem a natureza de benefício social e não de contraprestação do trabalho, o STF não pode se omitir em reconhecer que houve uma inesperada mudança de entendimento do Judiciário.

A discussão se o terço de férias compõe ou não o salário de contribuição é uma das mais relevantes controvérsias de tributação previdenciária em trâmite no Judiciário. E por ser uma discussão antiga, antes do julgamento do Tema 985 havia um histórico jurisprudencial que não pode ser menosprezado.

Os contribuintes tinham o tema como pacificado, tendo em vista que o STJ já havia decidido, na sistemática dos recursos repetitivos, sobre a tributação do terço constitucional de férias (REsp nº 1.230.9573, julgado em 26 de fevereiro de 2014).

A decisão vinculante do STJ implicou na prolação de decisões favoráveis em processos individuais, já que os Tribunais Regionais Federais, corretamente, foram replicando o entendimento nos seus julgados. O que levou a que inúmeros contribuintes deixassem de tributar essa rubrica, com base em decisões suspensivas da exigibilidade. E, também, passassem a classificar a perda dessa discussão como remota, para fins de provisão e apuração de resultados.

A convicção de ser uma controvérsia já resolvida foi reforçada quando o STF, em 5de agosto de 2016, negou repercussão geral à discussão da tributação do terço de férias (RE nº 892.238/RS, Tema 908). A alteração desse posicionamento somente ocorreu em 23 de fevereiro de 2018, quando foi aprovado o Tema 985.

E essa visão sobre a finalização da controvérsia também se estendeu à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que editou a nota PGFN/CRJ/ 981-17,autorizando os procuradores a não interporem recurso extraordinário em face de acórdãos que reconhecessem a não inclusão do terço constitucional de férias no salário de contribuição.

A decisão do STF no Tema 985, considerando esse histórico, implicou em inequívoca guinada jurisprudencial, iniciada pela mudança de posicionamento do tribunal sobrea natureza constitucional e repercussão geral da matéria e finalizada com o entendimento no mérito diametralmente oposto ao dado pelo STJ.

Havendo mudança abrupta de jurisprudência, os contribuintes têm que ter o seu âmbito de direito preservado, sob pena de consolidação da insegurança jurídica e desmoralização da sistemática dos precedentes vinculantes.

É necessária a aplicação da mesma ratio decidendi do julgamento dos Embargos de Declaração no RE nº 574.706 no julgamento dos Embargos de Declaração no RE nº1.072.485. Naquela oportunidade, a Corte modulou os efeitos da decisão que reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, a partir de 15 de março de 2017, ressalvadas as ações judiciais e pedido administrativos anteriormente em curso.

Tal qual na situação do RE nº 574.706, no caso da tributação do terço constitucional de férias ocorreu a superação pelo STF de anterior entendimento, de caráter vinculante, do STJ. O que impõe a preservação das relações jurídicas anteriores, em observância ao princípio da segurança jurídica e da coerência das decisões do STF sobre a modulação de efeitos.

Por isso, precisamos falar sobre o terço constitucional de férias. Eventual decisão do Pleno do STF negando o pedido de modulação de efeitos deduzidos em embargos de declaração será compreendida como casuística e dissonante dos critérios anteriormente aplicados pela própria Corte. Além dos indevidos prejuízos que trará aos contribuintes, sinalizará um déficit de coerência e de preocupação com a segurança jurídica, por parte do STF.