Mudanças climáticas entram na pauta no Supremo Tribunal Federal

Todos têm acompanhado no Brasil notícias de incêndios no Pantanal e na Amazônia, além de temas como aumento nas temperaturas da superfície dos oceanos, derretimento das calotas polares, dentre outros eventos relacionados às mudanças climáticas. Segundo a comunidade científica, as mudanças climáticas teriam relação direta com o aumento de eventos extremos, tais como os que têm sido noticiados, e que já estaríamos bastante expostos aos denominados riscos climáticos, como consequência do aumento das emissões globais de gases de efeito estufa.

No combate a essa realidade, o Brasil assumiu uma série de obrigações relacionadas à mitigação das mudanças climáticas, em especial aquelas contidas na Política Nacional sobre Mudança do Clima e no Acordo de Paris, por meio de sua contribuição nacionalmente determinada (NDC). Dentre outras obrigações, o Brasil se comprometeu a reduzir, até o ano de 2025, as emissões de gases do efeito estufa em 37% com relação ao nível registrado no ano de 2005.

O Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), dentro desta realidade, foi criado em 2009 como um fundo de natureza contábil, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, para garantir apoio a projetos ou estudos e financiamento de empreendimentos que tenham como objetivo a mitigação das mudanças climáticas e à adaptação à mudança do clima e aos seus efeitos.

A falta de comprometimento com o Fundo Clima, neste contexto, é precisamente o objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, que requer o reconhecimento de omissão da União ao não adotar providências de caráter administrativo objetivando o funcionamento do “Fundo Clima”.

Os autores da ação alegam que o Fundo Clima se encontra paralisado de forma ilegal, atentando contra o pacto federativo e o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado assegurado pelo artigo 225 da Constituição Federal. Argumentam ainda que, sem o efetivo cumprimento de normas nacionais e internacionais por parte do Estado, a sociedade brasileira estará submetida a políticas que não seriam capazes de mitigar as emissões de gases do efeito estufa ou promover a adaptação às mudanças climáticas.

A ADPF 708 coloca em evidência no Brasil o tema da litigância climática, um novo meio de pressionar o Poder Judiciário, Legislativo e Executivo na execução de medidas de combate às mudanças climáticas e na elaboração e revisão de marcos normativos climáticos, além de funcionar como um indutor de mudanças nos setores privados e empresariais. Neste cenário, o Poder Judiciário se torna uma peça importante na construção de políticas climáticas.

A audiência pública entrou para a história do Supremo Tribunal Federal como o primeiro caso de litigância climática debatida na mais alta corte do Brasil. Somando-se inscritos e convidados, no total foram ouvidos mais de cinquenta especialistas relacionados ao tema, incluindo integrantes do Governo Federal, parlamentares e representantes de organizações não governamentais.

O Ministro Luís Roberto Barroso destacou durante a abertura que a questão das mudanças climáticas, um dos principais problemas ambientais enfrentados pela humanidade, deve ser debatido de forma plural, sendo o desenvolvimento sustentável um conceito-chave e uma meta a ser atingida por todos os países. O Ministro bem colocou que o desenvolvimento sustentável seria aquele que atenderia às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades. Segundo ele, tratar-se-ia de uma questão de justiça intergeracional, o dever que nós temos para com os nossos filhos e os nossos netos, de não entregarmos para eles um planeta arruinado.

Os representantes do Governo trataram de expor as medidas tomadas pela União no combate das mudanças climáticas. Segundo o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a reativação do Fundo Clima dependia da aprovação do marco legal do saneamento pelo Poder Legislativo e por isso estaria sobrestado. O Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, por sua vez, garantiu que o Brasil está cumprindo com todos os acordos e compromissos assumidos no contexto da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

Destaque para o sub-procurador-geral da República, Juliano Baiochi Villa-Verde de Carvalho, e o advogado-geral da União, José Levy do Amaral, que ressaltaram a importância da audiência para fundamentar a decisão do Supremo na ADPF 708.

Dentre os demais convidados, os economistas Armínio Fraga (ex-Banco Central), Ricardo Abramovay (USP), Sério Margulis (ex-Secretário de Desenvolvimento Sustentável da Presidência) e o cientista Carlos Nobre (ex-Inpe e professor do IEA-USP), dentre outros pontos, destacaram a demora do Governo Federal em apresentar respostas em relação ao aumento das queimadas e desmatamento, que estaria prejudicando a imagem do Brasil no exterior, com potenciais em efeitos negativos na economia do país.

O consultor de Meio Ambiente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), Rodrigo Justus, destacou a dependência histórica que o setor rural possuí em relação a questões climáticas, defendendo o papel da ciência no avanço do agronegócio, com uso racional dos recursos naturais e aplicação de tecnologias de baixa emissão de carbono como método de assegurar a produção com sustentabilidade.

A ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, discorreu sobre o protagonismo global que o Brasil vem desempenhando ao longo dos anos na área de desenvolvimento sustentável e o histórico da governança nacional e internacional no combate as mudanças climáticas.

Demais representantes da ciência e pesquisa climática enfatizaram que o homem teria impactado de forma direta na mudança do clima. Segundo Thelma Krug, vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), “a influência antrópica foi identificada nas mudanças da temperatura próximo à superfície da Terra, na atmosfera e nos oceanos, assim como mudanças na criosfera, no ciclo hidrológico e alguns extremos. Esta evidência combinada conduziria a ciência a afirmar que não há mais espaço para duvidar-se da existência da mudança do clima e da contribuição humana para o aumento do aquecimento global.”

Várias companhias também participaram da audiência pública e apresentaram seus compromissos e metas para combater o avanço das mudanças climáticas. A Natura, por exemplo, comunicou objetivo de zerar emissões de carbono para suas quatro marcas até 2030, muito antes do compromisso firmado por demais países e empresas no mundo. Os bancos Itaú, Santander e Bradesco reforçaram a ação conjunta anteriormente divulgada para enfrentar o desmatamento da Amazônia, comunicando vedações a empresas que pratiquem o desmatamento ilegal e apoiando a regularização fundiária da região.  

Quanto aos representantes da sociedade civil, cabe destaque a apresentação de Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), indicando que a decisão do atual governo federal por preterir a execução da Constituição Federal, dos deveres fundamentais, coloca em risco o direito de todos e todas ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

No encerramento da audiência, o Ministro Luís Roberto Barroso elencou alguns os fatos consensuais e incontroversos, dentre os quais (i) que o desmatamento teria crescido em 2019 e ainda mais em 2020; (ii) que teria havido redução do número de multas ambientais no atual governo; (iii) que, até a apresentação da ação, o Fundo Clima não teria plano de investimentos nem alocação de recursos neste governo; (iv) que consumidores e empresas internacionais teriam ameaçado boicotar produtos brasileiros pela percepção crítica da política ambiental; (v) que as emissões brasileiras decorreriam principalmente de atividades criminosas, como grilagem, exploração de madeira e desmatamento, ao contrário de outros países, onde elas decorrem do progresso (indústria e consumo); e (vi) que, embora o desmatamento da Amazônia Legal seja de aproximadamente 20% do território, o PIB da região estaria estagnado em torno de 8% (do PIB nacional) desde os anos 1970.

Segundo coloca Ministro, seria consenso que o Fundo do Clima, ao viabilizar estudos, projetos e empreendimentos de preservação da floresta, tem papel importante no atingimento das metas de redução de emissões assumidas pelo país. Para ele, não haveria incompatibilidade entre a preservação da floresta e o agronegócio e que ambos seriam prejudicados por atividades ilegais.

Em suma, conclui, para que haja resolução dos nossos problemas, seria imprescindível realizar diagnósticos corretos. Olhando para frente, todos, governo, ONGs, acadêmicos e empresas, deveriam ter a posição de que a floresta de pé vale mais que a derrubada, concluiu.

Independente dos próximos passos, a ADPF 708 e a realização da recente audiência pública certamente podem ser considerados fatos bastante relevantes e históricos no contexto do combate às mudanças climáticas.