IRPJ e PAT: possíveis litígios envolvendo um velho conhecido do Judiciário

O benefício fiscal vinculado ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), instituído pela Lei Federal nº. 6.321/76, é, vez ou outra, objeto central de questionamentos no âmbito tributário. Ora na perspectiva previdenciária, ora nos reflexos sobre a apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) tributadas no lucro real, o fato é que novas luzes foram lançadas no referido programa.

Isso porque foi publicado Diário Oficial da União no último dia 11 de novembro o Decreto nº. 10.854, que alterou a redação do art. 645 do Decreto nº. 9.580/18 (RIR/18) e trouxe novas restrições ao aproveitamento do benefício do PAT na apuração do IRPJ.

De acordo com o mencionado decreto, a dedução do PAT na apuração do IRPJ deve-se restringir às despesas com alimentação de funcionários que ganham até cinco salários mínimos, exceto se a empregadora oferecer serviço próprio de refeições ou distribuição de alimentos por meio de entidades fornecedoras de alimentação coletiva. Além disso, a dedução deverá abranger apenas a parcela que corresponder ao valor máximo de um salário mínimo.

Ora, o debate a respeito da necessidade de observância do princípio da legalidade para tratar do benefício do PAT é bem antigo, remontando à época em que portarias e instruções normativas criaram limitações não previstas em lei ordinária, como as que fixaram custos máximos para as refeições individuais.

Há diversas decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconhecem que as normas infralegais que preveem limitações ao cálculo do referido benefício fiscal ofendem os princípios da estrita legalidade e da hierarquia das normas por exorbitarem de seu caráter regulamentar, em confronto com as disposições da Lei 6.321/76 e art. 99 do Código Tributário Nacional (CTN).[1]

Tanto é assim que a própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em 2008, editou o Parecer PGFN/CRJ nº. 2623/2008 dispensando a apresentação de contestações e recursos em face de decisões judiciais que reconheciam a ilegalidade das limitações impostas pela Portaria Interministerial MTB/MF/MS nº. 143/86 – que fixou custos máximos para cada refeição individual oferecida pelo PAT.

Assim, a edição desse novo decreto soa bastante incoerente, pois desconsiderou não só a jurisprudência pacífica sobre o tema, como o próprio pronunciamento do órgão de representação judicial que reconheceu, em tese bem similar à presente no recente ato normativo, que a defesa da União não vingaria no Judiciário.

Não bastasse o evidente vício de legalidade, a nova limitação passa a vigorar a partir do dia 11 de dezembro, de modo a alcançar a apuração do IRPJ do exercício de 2021 das pessoas jurídicas que apuram o lucro real anual como o trimestral.

Por fim, é importante ressaltar uma questão que o Judiciário, em alguns casos, tem deixado passar desapercebido. Ao longo dos anos, muitos contribuintes questionam se as despesas comprovadas seriam feitas sobre o lucro tributável ou sobre o imposto de renda devido. Discute-se, portanto, o cálculo do próprio do benefício.

Há várias decisões do STJ e dos TRFs no sentido de que as alterações realizadas pelos decretos não podem alterar o regime fixado pela Lei 6.321/76[3], de modo que o benefício deve ser calculado sobre o lucro tributável. A questão é que algumas decisões reconhecem corretamente essa primeira etapa do cálculo, mas o limitam a 4% do imposto de renda devido, conforme previsto no art. 5º da Lei nº 9.532, de 1997, dispositivo repetido no antigo RIR/99 e no atual RIR/18.

Ora, a Lei 9.532/97, ao fixar o limite do benefício ao valor de “4% do imposto de renda devido”, partia da premissa que a dedução do benefício do PAT era feita sobre o valor do IRPJ, e não sobre o valor da base de cálculo (lucro tributável). Se esta premissa é desfeita, logicamente o limite do cálculo do benefício deve ser adequado à nova realidade.

Assim, é necessário que, ao serem afastadas as regras trazidas pelos decretos, o limite do benefício volte a ser calculado sobre o lucro tributável (base de cálculo), tal qual previsto no § 1º do art. 1º da Lei 6.321/97, e não sobre o imposto de renda devido. Até porque, por questão lógica, não é possível calcular o limite de um benefício que incide sobre a base de cálculo utilizando como grandeza o valor do imposto devido, que só é apurado após se achar qual é a efetiva base de cálculo.

É um raciocínio circular que não se fecha! Afinal, primeiramente, o contribuinte deve apurar o lucro real, com as deduções e exclusões devidas. Contudo, a exclusão do valor das despesas do PAT do valor do lucro tributável (base de cálculo) não pode possuir um limite cujo valor somente será encontrado após a definição da referida base de cálculo e apuração do imposto de renda devido.

Portanto, por dever de coerência e não contradição com o regime tributário que trata do imposto sobre a renda, se os Tribunais reconhecem que os decretos não são válidos nem legítimos, de modo que o benefício deve ser calculado sobre o lucro tributável, logicamente e por coerência, o limite também tem de ser a mesma grandeza (lucro tributável) e não outra que ainda não foi apurada e que, para ser quantificada, depende da definição da respectiva base de cálculo. O Judiciário deve estar atento a isso para evitar proferir decisões cujo efeito prático seja de difícil apuração.

Em conclusão, nota-se que o Judiciário será provocado para solucionar esses novos conflitos a respeito do antigo tema do PAT. Além desse programa ser bastante relevante, pois concretiza um direito social, em termos de pacificação e resolução de conflitos seria melhor que o governo federal promovesse alterações que fossem realmente necessárias para a correta configuração da tributação da renda e que evitassem a instauração de novos litígios.

 

[1] Vide, por exemplo, REsp 1.754.668/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 11/03/2019, que indica diversos precedentes.

[2] Em sentido semelhante, RE 564.225/AgR, rel. Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 02/09/2014, DJe 17/11/2014, bem como as diversas decisões do STF sobre as reduções das alíquotas do Reintegra, realizadas em 2015 e 2018 e que tiveram eficácia imediata e dentro do mesmo exercício (RE 964.850 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 28/6/2018; RE 983.821-AgR, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 16/4/2018). Esse tema está com repercussão geral reconhecida pelo STF (Tema 1.018 – ARE 1.285.177-RG) e é objeto das ADI 6040 e 6055.

[3] Art. 1º. As pessoas jurídicas poderão deduzir, do lucro tributável para fins do imposto sobre a renda o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período-base, em programas de alimentação do trabalhador, previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho na forma em que dispuser o Regulamento desta Lei.

  • 1º A dedução a que se refere o caput deste artigo não poderá exceder em cada exercício financeiro, isoladamente, a 5% (cinco por cento) e cumulativamente com a dedução de que trata a Lei nº 6.297, de 15 de dezembro de 1975, a 10% (dez por cento) do lucro tributável.