O direito de defesa do contribuinte ante o veto à compensação em embargos

Atualmente, o entendimento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido da impossibilidade de discussão, em sede de embargos à execução fiscal, de compensações tributárias federais não homologadas administrativamente.

Nem sempre foi esta a interpretação dada ao art. 16, § 3º da Lei de Execuções Fiscais (LEF) pela jurisprudência. Todavia, mais recentemente1, o STJ passou a fazer uma nova leitura do acórdão proferido quando do julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.008.343/SP, realizado em 2009, sob a sistemática dos recursos repetitivos, para estabelecer que a compensação que poderia ser discutida em embargos seria apenas previamente homologada administrativamente, não bastando que tenha sido realizada ou pleiteada.

Diante dessa realidade, os contribuintes que possuem embargos à execução em curso, questionando compensações não homologadas administrativamente, precisam buscar alternativas para que seu direito material seja analisado pelo judiciário. Inclusive, ao admitirem que a aplicação do art. 16, § 3º da LEF não resulta em violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, os Tribunais afirmam, justamente, a existência de vias processuais alternativas.

Uma delas seria a propositura de ação ordinária, visando demonstrar a legitimidade do crédito compensado e o equívoco do indeferimento da compensação pela esfera administrativa, com pedido de tutela de urgência, a fim de que a execução fiscal correspondente permaneça suspensa (e devidamente garantida), mesmo após o trânsito em julgado dos embargos à execução, quando seu desfecho desfavorável tiver se dado pela questão processual.

O cabimento da ação ordinária sustenta-se no direito do contribuinte à ampla defesa e ao contraditório, e atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assim como assegura o acesso ao judiciário, afinal, como se sabe, as decisões administrativas finais são definitivas apenas para a Fazenda Pública.

Além disso, a maioria dos contribuintes que hoje possuem embargos à execução em andamento, discutindo compensações não homologadas, certamente distribuiu suas iniciais antes de o STJ passar a dar nova interpretação ao repetitivo (REsp 1.008.343/SP) no qual foi discutida a matéria.

Assim sendo, além de a ação ordinária ser instrumento capaz de viabilizar o exame do direito material controvertido pelo Judiciário, também se justifica que seja mantida a suspensão da execução fiscal até o desfecho da ação de conhecimento. Isso porque, especialmente estando o processo executivo devidamente garantido, não deve ser o contribuinte obrigado a proceder ao pagamento da dívida – diante do trânsito em julgado desfavorável dos embargos à execução nos quais aplicada a vedação em comento –, para, somente após, buscar demonstrar a higidez da compensação realizada e pleitear a repetição dos valores pagos prematuramente. Antes disso, deve ser oportunizada a análise das razões de mérito contrárias à cobrança, principalmente nas situações em que houver ao menos indícios da procedência do direito do contribuinte.

Não é raro que a vedação da discussão da compensação não homologada em embargos à execução seja aplicada apenas em sede recursal, após sentença acolhendo a procedência do pedido do contribuinte, ou eventualmente a realização de perícia com conclusões favoráveis à existência do direito creditório. Nesses casos, ainda mais evidente a necessidade de manutenção da suspensão da execução fiscal, haja vista a demonstrada viabilidade de o contribuinte alcançar êxito em sua ação ordinária.

Foi justamente reconhecendo a probabilidade do direito do contribuinte ao reconhecimento da validade da compensação realizada, assim como o risco de dano representado pelo iminente trânsito em julgado dos embargos, após os quais a Procuradoria buscará a liquidação da garantia, que o juízo da 4ª Vara Federal de Execução Fiscal de Vitória (ES) concedeu tutela de urgência para manter uma execução fiscal correspondente sobrestada até o julgamento final da Ação Ordinária proposta para discutir o mérito da compensação pleiteada pelo contribuinte.

A decisão levou em consideração que nos autos dos embargos à execução havia sido proferida sentença dando-lhe provimento no mérito que foi reformada pelo TRF2 apenas em decorrência da nova interpretação dada ao teor do acórdão proferido no repetitivo (REsp 1.008.343/SP), sem o acórdão adentrar no mérito da questão de direito propriamente dita.

Fica demonstrado, assim, que a ação ordinária com pedido de tutela de urgência – dentre outras medidas que vêm sendo experimentadas igualmente com sucesso, como a conversão dos Embargos à Execução em Anulatória – pode ser uma alternativa para que os contribuintes prejudicados pela nova linha interpretativa acolhida pelo STJ a respeito da aplicação do art. 16, § 3º da LEF possam ter seu direito à ampla defesa devidamente assegurado.

Considerando a instrumentalidade do processo, o esperado é exatamente que, diante do enfrentamento de um obstáculo processual, se identifique no próprio sistema uma saída adequada, que permita o devido acesso à justiça.

1 Em especial quando do julgamento dos Embargos de Divergência no REsp nº 1.795.347/RJ, em 27 de outubro de 2021, quando o relator, ministro Gurgel de Faria, votou por não conhecer do recurso em razão do alinhamento de entendimento das Primeira e Segunda Turmas, afirmando que “passou a prevalecer no âmbito das Turmas que compõem a Primeira Seção a compreensão de que não ‘está a afastar da análise do Poder Judiciário o ato administrativo que indeferiu a compensação pleiteada pelo contribuinte. Contudo, é certo que os embargos à execução não são a via adequada para a perquirição de tais questões, as quais devem ser ventiladas em meio judicial próprio (…)”.