Dificuldades nos requerimentos de revisão de estimativa do Radar

Em outubro de 2020 foram publicadas a Instrução Normativa RFB nº 1.984/2020 e a Portaria Coana nº 72/2020, que trouxeram alterações no procedimento de habilitação de pessoas jurídicas e físicas para atuarem no comércio exterior e nas regras para credenciamento de responsáveis e representantes no Radar.

O Radar é um sistema informatizado da Receita Federal do Brasil de grande importância, pois é a “porta de entrada” para aqueles que pretendem atuar no comércio exterior, importando ou exportação mercadorias, e essa atuação dependerá diretamente da capacidade operacional e financeira da empresa ou pessoa física.

A Instrução Normativa nº 1.984/2020 estabeleceu novos parâmetros para as modalidades de habilitação no Radar: modalidade expressa (para sociedades anônimas de capital aberto e suas subsidiárias integrais ou empresa pública ou sociedade de economia mista), limitada (com duas faixas de valores: até US$ 50 mil caso a capacidade financeira estimada seja igual ou inferior a este valor; ou até US$ 150 mil caso a capacidade financeira estimada seja superior a US$ 50 mil e igual ou inferior a US$ 150 mil); e ilimitada (caso a capacidade financeira estimada seja superior ao teto da modalidade limitada). Também foram estabelecidas novas regras e procedimentos para habilitação e revisão de estimativa no Radar.

A estimativa da capacidade financeira é calculada por meio da sistemática prevista no art. 2º da Portaria Coana nº 72/2020, e servirá para enquadrar o declarante em uma das modalidades do Radar. Caso o declarante de mercadorias entenda que se enquadra em modalidade para a qual não se encontra habilitado, poderá requerer a revisão da estimativa, seja de forma automática, via Sistema Habilita, seja de por meio de processo digital, formalizado via abertura de Dossiê Digital de Atendimento.

Na revisão de estimativa via Sistema Habilita, a nova modalidade será recalculada com base nas informações disponíveis no sistema da Receita Federal do Brasil e o valor da nova estimativa será o resultado da divisão do maior valor entre a soma dos tributos recolhidos e a cotação médio do dólar dos Estados Unidos dos cinco anos anteriores à data da protocolização do requerimento. Nessa hipótese, o reenquadramento de estimativa poderá resultar em modalidade de habilitação mais restrita ou com limite de operação inferior ao momento do requerimento.

O presente artigo abordará as dificuldades enfrentadas nos requerimentos de revisão de estimativa apresentado via processo digital. Não obstante as normas terem sido publicadas há mais de um ano, o que se verifica é que os operadores de comércio exterior têm enfrentado dificuldades com esses requerimentos, que frequentemente são arquivados, sobretudo em razão da necessidade de serem observados requisitos mínimos e formalismos (des)necessários à análise do pleito pela Receita Federal do Brasil.

Tome-se como exemplo a exigência de um rol taxativo de documentos e/ou contratos que, em razão de certas especificidades (como no caso de empresas que ainda estão sendo constituídas e/ou que ainda não realizaram nenhuma operação de importação), ainda não foram firmados (como, por exemplo, conta de internet, contrato de armazenagem, etc.). Ou ainda, a previsão de que estes devem ser anexados, separadamente, ao Dossiê Digital de Atendimento, com tipo e título específicos para cada documento, sob pena de arquivamento do requerimento.

Por essa razão, a Portaria Coana nº 72/2020, desde a sua publicação, já sofreu modificações visando sanar alguns destes problemas, tais como a dispensa ou a substituição de documentos antes considerados indispensáveis para a análise do requerimento e a indicação do tipo e a alteração do título do documento no momento da sua juntada ao Dossiê Digital de Atendimento.

Cabe destaque um problema recorrente que se dá quando o declarante de mercadorias que pleiteia a revisão da estimativa (de limitada para ilimitada, p. ex.) iniciou ou retomou suas atividades operacionais há menos de cinco anos.

A Portaria, em seu artigo 4º, prevê as seguintes hipóteses que justificam a revisão de estimativa:

  1. a existência de recursos financeiros de livre movimentação ou de liquidez imediata do próprio declarante de mercadorias;
  2. a fruição de desonerações tributárias, tais como isenções e imunidades a que o declarante de mercadorias faça jus;
  3. a existência de recolhimentos realizados mediante Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS) que demonstrem haver capacidade financeira superior à previamente estimada;
  4. a existência de recolhimentos a título de Contribuição Previdenciária Sobre Receita Bruta (CPRB) que demonstrem haver capacidade financeira superior à previamente estimada, ou
  5. o início ou a retomada das atividades operacionais do declarante de mercadorias há menos de 5 anos.

Ao protocolar o requerimento, o declarante, ou seu procurador, deve apresentar formulário apontando a estimativa da capacidade financeira considerada correta e a hipótese que justifica a sua revisão, além da documentação mínima comprobatória, que irá variar de acordo com a justificativa escolhida para dar entrada no pedido de revisão.

Muitas empresas novas, que possuem capacidade financeira e operacional, têm apresentado o requerimento de revisão de estimativa com base na hipótese do inciso V do artigo 4º da Portaria (o início ou a retomada das atividades operacionais do declarante de mercadorias há menos de cinco anos).

Nesse caso, há dispensa de apresentação da documentação mínima comprobatória de sua capacidade financeira e a nova estimativa será apurada com base no recolhimento de tributos nos seis meses anteriores à data da protocolização do requerimento, nos termos dos artigos 2º, §3º[1], e 11, inciso V[2], da Portaria.

Ocorre que, caso o requerimento seja realizado com base no inciso V do artigo 4º da Portaria Coana nº 72/2020 (início ou retomada das atividades nos últimos quatro anos), pode ser que o cálculo da nova estimativa do radar não reflita a sua real capacidade financeira, apesar de o declarante de mercadorias possuir recursos financeiros compatíveis para a sua habilitação na modalidade ilimitada.

Isso porque, justamente por ter se tornado operacional há pouco tempo, é provável que o valor dos tributos recolhidos nos 6 meses anteriores à data da protocolização do requerimento, utilizado como base para apuração da nova estimativa, seja irrelevante ou muito baixo.

Assim, independentemente de quando o declarante de mercadorias iniciou ou retomou as suas atividades, possuindo recursos financeiros de livre movimentação ou de liquidez imediata, o requerimento de revisão de estimativa deverá sempre ser realizado com base na hipótese prevista no inciso I do artigo 4º da Portaria. O valor da nova estimativa será apurado considerando o saldo constante dos extratos bancários das contas correntes e de aplicações financeiras de titularidade do declarante de mercadorias referentes ao mês imediatamente anterior à data de protocolização do requerimento (artigo 11, inciso I, Portaria Coana nº 72/2020).

De qualquer forma, é necessário que o protocolo do requerimento de revisão de estimativa seja realizado estritamente de acordo com as orientações contidas na Portaria nº 72/2020, especialmente no que se refere à presença da documentação mínima comprobatória da capacidade financeira operacional e à forma da sua juntada, pois é exigida a observância de uma nomenclatura numérica específica para os documentos.

O requerimento de revisão de estimativa será arquivado se quaisquer dos documentos obrigatórios deixarem de ser juntados, forem juntados em desacordo com as orientações dispostas no Anexo Único da Portaria Coana, ou não mantiverem correspondência entre seu efetivo conteúdo e o título sob o qual foram juntados.

A Receita Federal tem sido muito criteriosa e exigente na análise dos documentos que instruem os pedidos de revisão, especialmente os contábeis, e tem determinado o arquivamento de requerimentos no caso de qualquer inconsistência.

Apesar de o arquivamento do pedido de revisão não impedir a apresentação de novo requerimento, ele retarda o seu deferimento, uma vez que a Receita, de acordo com a Instrução Normativa nº 1.984/2020, possui o prazo de dez dias para a sua análise. Muitas vezes os operadores de comércio exterior contam com o deferimento do requerimento já com a mercadoria em trânsito e acabam sofrendo prejuízos financeiros e operacionais em razão da impossibilidade de registro da Declaração de Importação por ausência da modalidade apropriada do Radar.

Além disso, como não há vinculação entre a empresa e o auditor fiscal que analisou o requerimento anterior, nada impede que novas questões sejam levantadas no exame de um novo pedido por outro fiscal, considerando que ainda há certa subjetividade nessa análise.

A boa notícia é que, em 12/7/2022, foi publicada a Portaria Coana nº 83/2022, que alterou a Portaria Coana nº 72/2020, passando a prever que a Fiscalização, ao analisar a documentação do requerimento de revisão de estimativa, “em casos justificados”, poderá considerar outros elementos de fato e de direito não previstos na legislação para fins de comprovação da capacidade econômica, financeira e operacional do interessado e deferimento do pedido.

Essa alteração traz uma certa discricionariedade aos auditores que, em tese, poderão agora deferir os pedidos de revisão de estimativa considerando outros documentos que não aqueles exigidos na portaria para fins de comprovação da capacidade financeira e operacional do declarante, bem como os esclarecimentos por ele prestados.

Ainda assim, para maior segurança, o requerente deve pecar pelo excesso na juntada da documentação comprobatória da sua capacidade financeira e operacional ao Dossiê Digital de Atendimento e, na impossibilidade de apresentação de qualquer documento previsto na legislação, prestar os esclarecimentos que justifiquem a sua falta mediante petição fundamentada. Além disso, é imprescindível que, ao apresentarem pedido de revisão de estimativa via processo digital, sigam à risca o procedimento previsto na Portaria Coana nº 72/2020, observando as formalidades referentes à juntada e nomeação dos documentos.

[1] Art. 2º A capacidade financeira do declarante de mercadorias para fins de enquadramento na modalidade de habilitação e no limite de operação apropriados de que tratam os arts. 16 e 17 da Instrução Normativa nº 1.984, de 2020, será estimada com base na soma dos recolhimentos dos seguintes tributos:

I – Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ);

II – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL);

III – Contribuição para o PIS/Pasep (PIS/Pasep);

IV – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e

V – Contribuição Previdenciária relativa aos funcionários empregados e/ou contribuintes individuais.

(…)

  • 3º A estimativa da capacidade financeira do declarante de mercadorias será apurada pela divisão entre:

I – no numerador, o maior valor apurado entre a soma dos tributos relacionados nos incisos I a IV do caput e a soma das contribuições relacionadas no inciso V do caput, observado o disposto nos §§ 1º e 2º; e

II – no denominador, o valor da cotação média do dólar dos Estados Unidos da América dos 5 (cinco) anos-calendário anteriores à data de protocolização do requerimento, conforme estabelecido em ato normativo expedido pela Coordenação-Geral de Administração Aduaneira (Coana).

[2] Art. 11. A nova estimativa da capacidade financeira do declarante de mercadorias será apurada nos termos do § 3º do art. 2º, substituindo-se o numerador de que trata seu inciso I pelo:

(…)

V – maior valor apurado entre a soma dos tributos relacionados nos incisos I a IV do caput do art. 2º e a soma das contribuições relacionadas no inciso V do caput do mesmo artigo, observado o disposto no seu § 2º, recolhidos nos 6 (seis) meses anteriores à data de protocolização do requerimento, multiplicado por 10 (dez), caso a revisão se justifique com base na hipótese prevista no inciso V do art. 4º.