A aprovação do marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono no Brasil (Lei nº 14.948) marca um avanço notável na trajetória de transição energética do país. Este marco reconhece o papel fundamental do hidrogênio como um dos pilares para a construção de um futuro sustentável e estabelece as diretrizes essenciais para sua produção, exportação e uso em larga escala no território nacional.
A legislação cria um ambiente regulatório estável, que pode atrair investimentos nacionais e internacionais. Mais do que isso, a norma contribui para fomentar a implantação, modernização e expansão de empreendimentos voltados à produção, ao armazenamento, ao transporte, à distribuição ou à comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono, além de incentivar projetos dedicados à geração de energia renovável e à produção de biocombustíveis utilizados na cadeia de produção do hidrogênio, por meio da criação do Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro).
A implementação bem-sucedida deste marco regulatório e dos respectivos incentivos fiscais poderá transformar o Brasil em um protagonista na revolução energética do século XXI, pavimentando o caminho para um futuro mais limpo e sustentável. Sem dúvidas, o momento atual é decisivo e exige a visão, o planejamento estratégico e uma ação coordenada de todos os setores da sociedade na busca desse propósito.
DEFINIÇÃO DOS TIPOS DE HIDROGÊNIO
Trazendo um fim à discussão das “cores” do hidrogênio (cinza, azul, verde, etc.), a Lei trouxe os seguintes conceitos para os tipos de hidrogênio e derivados:
- hidrogênio de baixa emissão de carbono: hidrogênio combustível ou insumo industrial coletado ou obtido a partir de fontes diversas de processo de produção e que possua baixa emissão de gases de efeito estufa (GEE), conforme análise do ciclo de vida, com valor inicial menor ou igual a 7 kgCO2eq/kgH2 (sete quilogramas de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido).
- hidrogênio renovável: hidrogênio de baixa emissão de carbono, combustível ou insumo industrial coletado como hidrogênio natural ou obtido a partir de fontes renováveis, incluindo o hidrogênio produzido a partir de biomassa, etanol e outros biocombustíveis, bem como hidrogênio eletrolítico, produzido por eletrólise da água, usando energias renováveis, tais como solar, eólica, hidráulica, biomassa, etanol, biogás, biometano, gases de aterro, geotérmica e outras a serem definidas pelo poder público.
- hidrogênio verde: hidrogênio produzido por eletrólise da água, utilizando fontes de energia renováveis, tais como solar, eólica, biometano, biogás, , sem prejuízo de outras fontes que venham a ser reconhecidas como renováveis.
- derivados de hidrogênio: produtos de origem industrial que tenham o hidrogênio, coletado ou obtido a partir de fontes renováveis e/ou a partir de fontes de energia renovável como insumo no processo produtivo.
REGIME ESPECIAL DE INCENTIVOS AO HIDROGÊNIO DE BAIXA EMISSÃO DE CARBONO)
Como adiantado, outro ponto de extrema relevância foi a criação do Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro),que visa estimular o desenvolvimento e a competitividade da indústria de hidrogênio no Brasil através da concessão de incentivos e benefícios fiscais que contribuem para a redução dos custos tributários associados à implantação, expansão e modernização de empreendimentos nacionais dedicados à produção de hidrogênio sustentável.
A norma assegura a habilitação no Rehidro às pessoas jurídicas envolvidas em toda a cadeia de produção, inclusive àquelas que promovem o acondicionamento, armazenamento, transporte, distribuição ou comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono, ou que se dedicam à geração de energia renovável ou à produção de biocombustíveis utilizados como insumo no seu processo produtivo, desde que não sejam optantes pelo regime do Simples Nacional e comprovem a sua regularidade fiscal perante a Receita Federal do Brasil (RFB).
Uma vez habilitadas, tais empresas poderão utilizar o Rehidro pelo prazo de cinco anos, contados a partir de 1º de janeiro de 2025, ainda que já atuem na produção do hidrogênio na data de publicação da Lei nº 14.948/2024. Dentre os benefícios fiscais, o regime assegura a suspensão da exigência das contribuições para o PIS e da Cofins e de PIS/Cofins-Importação incidentes na importação ou na aquisição no mercado interno de serviços, máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos novos e de materiais de construção para utilização ou incorporação em obras de infraestrutura dedicada à cadeia de produção do hidrogênio de baixa emissão de carbono, de forma análoga ao que prevê o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi).
A legislação também conferiu aos beneficiários do Rehidro autorização para emissão de Debêntures Incentivadas, cujos rendimentos sujeitam-se a tratamento tributário privilegiado em relação ao Imposto de Renda sob a perspectiva dos investidores. Nesse ponto, a iniciativa é positiva, já que pode facilitar a captação de recursos para projetos vinculados ao setor.
Outro ponto importante trata-se da possibilidade de cumular os benefícios concedidos às empresas instaladas nas Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) com o tratamento previsto no Rehidro. Afinal, grande parte dos empreendimentos dedicados à produção do hidrogênio de baixa emissão de carbono em fase pré-operacional ou que já atuam no país encontram-se instalados em áreas de ZPE, e a Lei nº 11.508/2007 é taxativa quanto aos regimes que abarcam redução ou isenção de tributos federais cujo uso pode ser simultâneo ao tratamento concedido às empresas localizadas na poligonal.
Embora o tratamento tributário incentivado previsto na Lei nº 14.984/2024 seja inegavelmente positivo, a concessão dos créditos fiscais instituídos pelo Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC), tratados nos artigos 30 a 35 do PL nº 2.308/2023, foi objeto de veto presidencial e estão agora sendo discutidos no âmbito do PL 3.027/2024.
Em sua redação originária, o projeto de lei previa a concessão de créditos fiscais no período de 2028 a 2032 para produtores habilitados no Rehidro ou compradores de hidrogênio de baixo carbono produzidos pelas empresas beneficiárias daquele regime aprovados em processo concorrencial, os quais poderiam ser integralmente aproveitados pelos contribuintes no mesmo período. Embora a prerrogativa de regulamentar o benefício tenha sido atribuída ao Poder Executivo, a ideia que permeava a proposta originária era conferir às empresas contempladas com os créditos fiscais verdadeira subvenção para redução dos encargos tributários incidentes sobre suas operações, garantindo-lhes, para isso, o direito à compensação dos respectivos valores com débitos de outros tributos administrados pela Receita Federal, ou mesmo o seu ressarcimento em espécie.
Seja como for, a concessão de até R$18,3 bilhões para o período entre 2028 e 2032 se mantém no PL 3.027/2024. O desafio, nesse caso, é superar a suposta ilegalidade apontada pela Presidência da República como motivação do veto, vinculando de forma clara os créditos outorgados no âmbito da PHBC a um tributo federal específico, como a Contribuição Social para o Lucro Líquido (CSLL), bem como os meios disponíveis para sua apropriação.
SISTEMA BRASILEIRO DE CERTIFICAÇÃO DO HIDROGÊNIO DE BAIXA EMISSÃO DE CARBONO
A nova Lei também trata do Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio (SBCH2), que visa garantir a produção e o uso sustentável de hidrogênio no Brasil. O SBCH2 estabelece um sistema de certificação para o hidrogênio e seus derivados, com foco na transparência das emissões de carbono associadas.
A certificação será voluntária para os produtores nacionais, mas, uma vez adotada, exigirá o cumprimento de regras de governança obrigatórias. Para hidrogênio importado, será necessário um processo regulatório para reconhecer certificações estrangeiras.
A estrutura do SBCH2 é composta por várias entidades, incluindo a autoridade competente, a autoridade reguladora, empresas certificadoras, uma instituição acreditadora e uma gestora de registros. A autoridade competente define as diretrizes políticas, enquanto a autoridade reguladora supervisiona o processo de certificação, estabelece padrões e fiscaliza as operações. A instituição acreditadora credencia as empresas certificadoras, que, por sua vez, realizam a avaliação e emissão dos certificados. A gestora de registros mantém o banco de dados dos certificados e garante a autenticidade das informações.
A certificação do hidrogênio será baseada na análise das emissões de gases de efeito estufa (GEE) ao longo do ciclo de vida do produto, e deverá assegurar a integridade ambiental sem dupla contagem. Os certificados emitidos deverão ter critérios claros para validação e possíveis sanções, e serão alinhados com padrões internacionais para facilitar a interoperabilidade, especialmente para o hidrogênio importado.
Destaca-se que os sistemas de certificação serão cruciais para a operação eficaz dos do mercado de hidrogênio renovável e de baixa emissão de carbono. A certificação pode facilitar o comércio internacional de forma eficiente, apoiar a redução global de emissões por meio de maior transparência das externalidades ambientais e apoiar a competitividade dos mercados. No entanto, sistemas de certificação incompatíveis entre países exportadores e importadores podem criar barreiras técnicas ao comércio, à eficiência e à interoperabilidade dos mercados globais.
POLÍTICA NACIONAL DO HIDROGÊNIO DE BAIXA EMISSÃO DE CARBONO E COMPETÊNCIAS DA ANP
A Política estabelece o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), que será gerido por um Comitê Gestor responsável por definir e implementar as diretrizes e estratégias para o desenvolvimento da indústria de hidrogênio. A Política Nacional também prevê a cooperação entre setores público e privado para fomentar a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias e processos para a produção de hidrogênio.
A legislação estabeleceu que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) será responsável por regular todas as atividades relacionadas à produção, carga, armazenamento, transporte, transferência, revenda e comercialização de hidrogênio, seus derivados e transportadores.
A lei também traz a possibilidade de utilização de sandboxes regulatório para criar normas adaptadas às necessidades do setor.
PRÓXIMOS PASSOS
Embora a aprovação da Lei nº 14.948/2024 represente um avanço crucial para o hidrogênio de baixa emissão de carbono no Brasil, é essencial reconhecer que a jornada está longe de ser concluída. A promulgação da legislação estabelece uma base fundamental, mas o verdadeiro sucesso dependerá da implementação efetiva e da regulamentação subsequente.
As regulamentações pendentes referentes ao Rehidro, processo concorrencial de concessão de incentivos fiscais, autorização de produção e competência das demais agências, estrutura do Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio, bem como a aprovação do PL 3.027/2024, serão determinantes para definir normas claras e atrair investimentos, incentivos econômicos e parcerias estratégicas indispensáveis para impulsionar a indústria e garantir sua expansão.
É também necessário um acompanhamento constante e a adaptação das políticas para refletir as mudanças no mercado e os avanços tecnológicos. A experiência de países como Estados Unidos, Reino Unido e Austrália mostra que a eficácia das políticas se concretiza na prática regulatória que fomenta a inovação e promove a colaboração entre os setores público e privado.
O sucesso da Lei nº 14.948 dependerá, portanto, de ações decisivas que assegurem um futuro sustentável e promissor para o setor no Brasil.
As equipes de Energia e Tributário do Rolim Goulart Cardoso encontram-se à disposição para mais esclarecimentos e para auxiliá-los na discussão judicial do tema.