Principais diferenças entre os regimes de transação tributária vigentes com base na Lei do Contribuinte Legal

Desde a promulgação da Lei do Contribuinte Legal (Lei nº 13.988/2020), fruto da conversão da Medida Provisória nº 899/2019, foram editados quatro atos normativos pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pelo Ministério da Economia regulando diferentes aspectos das modalidades de transação tributária no âmbito federal: Portaria PGFN nº 9.917, Portaria PGFN n.º 9924, ambas de 14 de Abril deste ano, Portaria PGFN n.º 14.402 e Portaria (ME) nº 247, ambas de 16 de junho.

A diferença fundamental entre os modelos de transação já criados e os Programas de Parcelamento Especiais e Extraordinários já disponibilizados pelo Governo Federal anteriormente (como Refis, Paes e Pert), é que os primeiros preveem regras variáveis de acordo com particularidades de cada contribuinte e não possuem o alcance geral presente nos programas especiais de anistia e/ou parcelamento. Entender melhor seus aspectos é de suma importância para que as empresas possam avaliar as melhores oportunidades de renegociação de seus débitos dentro dos parâmetros normativos de cada modalidade. E todas as modalidades preveem que não será autorizado renegociar dívidas com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o Simples Nacional e multas criminais inscritas na dívida ativa.

A Lei do Contribuinte Legal dispõe sobre três modalidades de transação:

  1. Por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, ou na cobrança de créditos que seja de competência da Procuradoria-Geral da União,
  2. Por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário;
  3. Por adesão no contencioso administrativo tributário de pequeno valor.

A Portaria PGFN nº 9.917 concretiza a 1ª modalidade e regulamenta as diretrizes gerais de transação no âmbito da PGFN em substituição à Portaria nº 11.956/19. Ela se aplica a débitos inscritos em dívida ativa, no valor limite de R$ 15 milhões, e considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação (rating C e D). Neste caso, a transação é feita por meio de adesão, até o dia 30 de junho deste ano, a edital publicado pela PGFN (Edital PGDAU/PGFN nº 001/2019).

Por sua vez, as Portarias PGFN n.º 9.924 e n.º 14.402 também concretizam a 1ª modalidade e foram motivadas pelo impacto financeiro e econômico causado pelo novo coronavírus (COVID-19), estabelecendo, respectivamente, os regimes de transação (i) extraordinária e (ii) excepcional.

O regime da transação extraordinária visa a mitigar os efeitos gerais da pandemia na capacidade de geração de resultados dos devedores inscritos na dívida ativa da União, com condições pré-estabelecidas para adesão por parte dos contribuintes. Na transação excepcional, por sua vez, os contribuintes deverão comprovar impacto econômico relevante suportado em razão da atual crise. Além disso, nesse regime apenas serão oferecidos descontos a débitos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, a serem analisados a critério da Procuradoria da Fazenda Nacional, de acordo com a natureza da cobrança em si e as condições econômicas específicas do devedor.

Em relação à 2ª e 3ª modalidades de transação, foi editada a Portaria (ME) nº 247, que estabelece diretrizes gerais a serem observadas nas propostas perante a Receita Federal do Brasil (RFB) e PGFN, a serem efetivadas a partir da publicação de editais que especificarão as hipóteses passíveis de serem transacionadas no contencioso tributário e as condições de adesão.

As principais peculiaridades das três portarias em questão podem ser assim sintetizadas:

• Portaria PGFN n.º 9.924 – Transação extraordinária

A Portaria PGFN nº 9.924/20 disciplina uma nova modalidade de transação extraordinária na cobrança de débitos inscritos na dívida ativa da União, tendo revogado a Portaria PGFN nº 7.820/20, que disciplinava a transação extraordinária. No entanto, em que pese tenham sido mantidos os mesmos procedimentos e condições anteriormente estabelecidos, o prazo para adesão a esse regime de transação foi estendido até o dia 30 de junho de 2020 e não exclui a possibilidade de adesão às demais modalidades de transação previstas na Portaria PGFN nº 9.917/20.

A grande diferença e benefício desta modalidade está em facilitar o pagamento da entrada do parcelamento, ao estabelecer que essa parcela será de 1% do valor total dos débitos, podendo ser paga em até três meses. Na transação ordinária regulamentada pela Portaria PGFN nº 9.917 e prevista no Edital PGFN nº 1/2019, o valor da entrada é de, no mínimo, 5% do valor consolidado das inscrições elegíveis à transação, sem reduções, em 5 parcelas mensais.

Já o pagamento do saldo restante poderá ser parcelado em até 81 meses para pessoa jurídica, sendo que a parcela não poderá ser inferior a R$ 500, e em até 142 meses, no caso de pessoa física, microempresa ou empresa de pequeno porte, instituições de ensino, Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil de que trata a Lei n. 13.019/2014. Para esse grupo, o valor da parcela mínima será de R$ 100.

A transação extraordinária não concede descontos. Por isso, contribuintes que possuem parcelamentos especiais em curso e estão pensando em desistir do parcelamento para aderir à transação devem analisar cuidadosamente as opções. Afinal, ao desistir de um parcelamento especial, o contribuinte perderá todos os benefícios e eventuais descontos e não poderá voltar atrás no pedido de desistência.

Ainda de acordo com a Portaria, a adesão à transação extraordinária proposta pela PGFN implica manutenção automática dos gravames decorrentes de arrolamento de bens, de medida cautelar fiscal e das garantias prestadas administrativamente ou nas ações de execução fiscal ou em qualquer outra ação judicial.

• Portaria PGFN nº 14.402 – Transação excepcional:

A Portaria PGFN nº 14.402 estabelece a possibilidade de transação excepcional de débitos que já estejam inscritos em dívida ativa apenas para os contribuintes que comprovarem terem sofrido impacto econômico em razão da crise desencadeada pela pandemia do novo Coronavírus. Sua adesão ocorrerá entre 1º de julho a 29 de dezembro deste ano e serão oferecidos descontos a débitos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, a critério da Procuradoria, que levará em consideração aspectos relativos à natureza dos créditos tributários e potencial de discussão, bem como as condições econômicas do devedor.

A PGFN realizará a classificação dos créditos tributários devidos em escala gradual segundo o grau de recuperabilidade dos créditos inscritos em dívida ativa. Os créditos com maior perspectiva de recuperação poderão ser parcelados, mas não terão desconto ou redução, enquanto os créditos considerados como de difícil recuperação ou irrecuperáveis, além do parcelamento, poderão ter redução significativa de seu montante relativo à parcela dos encargos moratórios.

A transação excepcional possibilitará o parcelamento dos débitos por prazo superior a 60 meses, podendo alcançar, em casos específicos, entrada + 133 meses. Poderão ser transacionados nesse regime os créditos administrados pela PGFN, mesmo em fase de execução ajuizada ou objeto de parcelamento anterior rescindido, com exigibilidade suspensa ou não, cujo valor for igual ou inferior a R$ 150 milhões.

Os optantes pela modalidade de transação extraordinária (Portaria PGFN n.º 9.924) poderão desistir desse regime para aderir à transação excepcional tratada na Portaria nº 14.402, observados os requisitos e condições exigidos.
A situação de cada contribuinte deve ser analisada individualmente a fim de se verificar quais as hipóteses de parcelamento e eventuais descontos poderão ser concedidos em cada caso concreto, dentro dos parâmetros dispostos nas Portarias recentemente publicadas.
Para além dos regimes de transação acima detalhados, há ainda a expectativa de instituição de um Refis-Covid com melhores condições de pagamento e parcelamento atualmente em tramitação por meio do PL nº 152/2020 no Senado e do PL nº 2735/2020 na Câmara dos Deputados.

• Portaria ME nº 247 – Transação por adesão a editais

A Portaria ME nº 247 disciplina os critérios e procedimentos para a elaboração de proposta e de celebração de transação por adesão no (i) contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica e no (ii) contencioso pequeno valor. Ela depende da publicação de editais específicos e a medida visa estimular a extinção dos litígios instaurados sobre determinada controvérsia jurídica, que trate de questões tributárias que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, restrita a segmento econômico ou produtivo, a grupo ou universo de contribuintes.

Neste caso, é relevante esclarecer que esta nova modalidade poderá alcançar tanto débitos administrados pela Receita Federal do Brasil quanto de responsabilidade da PGFN. Essa é uma diferença relevante quando comparado às outras formas, pois elas se limitam aos débitos inscritos em dívida ativa.

A transação por adesão no contencioso tributário de pequeno valor (considerado como aquele que não supere 60 salários mínimos), a seu turno, poderá se dar por iniciativa da RFB e pela PGFN.

A Portaria, de um modo geral, trata sobre regras relativas aos editais a serem publicados, a serem observadas pela RFB, pela PGFN e pelos contribuintes que tiverem interesse em aderir à transação nessa modalidade. Os editais especificarão as situações que podem ser objeto da transação e as condições de adesão, estabelecendo reduções ou concessões oferecidas, limitadas ao desconto de 50% do crédito total, com prazo máximo de quitação de 84 meses, além dos prazos e das formas de pagamento. Para que seja possível aderir à transação por meio eletrônico, os débitos não poderão ultrapassar R$ 150 milhões. Importante dizer que é possível a concessão de redução do valor do crédito tributário principal, o que é uma novidade, pois nas outras modalidades descritas os descontos só incidem sobre os encargos moratórios (juros e multa).

Todas essas medidas adotadas pela União possuem o intuito de viabilizar o pagamento de débitos de natureza tributária, em especial os administrados pela PGFN, e evitar o aumento da inadimplência que tende a ocorrer em razão dos impactos financeiros e econômicos da pandemia. As transações criadas se assemelham a programas de parcelamento cumulado com anistia, sendo certo que a grande novidade deve ocorrer quando surgirem os editais regulando a transação envolvendo o contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica.

Esta, sim, será a hipótese mais inovadora e criada realmente com o objetivo de reduzir ou solucionar litígios tributários através de concessões recíprocas estipuladas pelas partes, não se limitando a débitos de difícil recuperação.

Por fim, as exigências feitas para a adesão devem ser analisadas criteriosamente pelos contribuintes interessados, em especial nas modalidades em que a opção pela transação envolve o envio de diversas informações e documentos necessários para comprovar a real capacidade financeira para as empresas arcarem com seus débitos.

 

 

TRANSAÇÃO EXCEPCIONAL – PORTARIA 14.402/2020

 

TRANSAÇÃO EXTRAORDINÁRIA PORTARIA N.9924/2020

 

TRANSAÇÃO DO CONTENCIOSO DE PEQUENO VALOR OU RELEVANTE CONTROVÉRSIA

Comprovação do impacto econômico suportado em razão da pandemia

Condições pré-estabelecidas para adesão por parte dos contribuintes

Diretrizes gerais para os editais de adesão à transação

Débitos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação

Débitos federais sob  administração da PGFN

Débitos federais que se enquadrem no contencioso de relevante controvérsia jurídica ou pequeno valor

Inscritos na dívida ativa da União

Inscritos na dívida ativa da União

Créditos objeto de contencioso administrativo ou judicial

Débitos consolidados não poderão ultrapassar R$ 150 milhões.

Valor consolidado inferior a R$ 15 milhões: transação por adesão. Valores superiores, sujeitos a transação individual

Débitos consolidados não poderão ultrapassar R$ 150 milhões.

Prazo: entre 1º de julho a 29 de dezembro de 2020

Prazo: 30 de junho de 2020

Prazo: a ser estabelecido pelos editais publicados

Parcelamento ou descontos nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados

Oferecimento de prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento e a moratória

Reduções no valor principal e acréscimos e/ou parcelamento, a depender das condições do edital, limitadas a 50% do total do crédito