Ambiental

O legado da Conferência de Bonn para a COP28

Após duas semanas de negociações, a Conferência de Bonn (SB58) chegou ao fim no último dia 15 de junho. Os representantes dos países discutiram relevantes aspectos para o cenário das mudanças climáticas antes da próxima COP em dezembro, sediada em Dubai, Emirados Árabes Unidos (EAU).

A SB58 teve resultados positivos e com relativo avanço em alguns temas, em contrapartida a outros que não foram desenvolvidos durante a conferência. Passamos a destacar as principais decisões em termos do que pode ser um legado da conferência na Alemanha para a COP28:

  • O tema de Global Stocktake (GST) – um dos grandes pontos de avanço. Foi definido um projeto de estrutura com vistas a impulsionar o ciclo de ambição do Acordo de Paris e fornecer a base para as próximas metas de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) para o horizonte de 2035 e 2040. A estrutura acordada pelos países possui cinco áreas principais:
  1. Preâmbulo;
  2. Contexto e considerações transversais;
  3. Progresso coletivo para alcançar o propósito e as metas de longo prazo do Acordo de Paris, à luz da equidade e da melhor ciência disponível, e informar as partes na atualização e aprimoramento, das Contribuições Nacionalmente DeterminadasS (NDCs);
  4. Melhorar a cooperação internacional;
  5. Orientação e caminho a seguir.

Da estrutura acima, a mais controversa foi a terceira seção (identificada como “C”), focada no propósito coletivo e nas metas de longo prazo do Acordo de Paris, que incluía subseções sobre mitigação, adaptação, fluxos financeiros e meios de implementação e apoio, esforços relacionados a perdas e danos, e esforços relacionados a medidas de resposta.

Ao longo das negociações em Bonn, os fluxos financeiros, os meios de implementação e a responsabilidade histórica dos países desenvolvidos tornaram-se foco de muitas divergências.

Várias opções para a subseção sobre fluxos financeiros e meios de implementação foram incluídas no texto final, permitido que os diálogos do GST fossem concluídos. Todavia, durante a plenária de encerramento, diversos países, incluindo a Austrália, apontaram a necessidade de se contabilizar a responsabilidade histórica dos países desenvolvidos. Com esses resultados, fica ainda mais claro que a COP28 será, provavelmente, a “COP GST”.

  • Perdas e danos (loss and damages) –  após a decisão histórica da criação do fundo na COP27 do ano passado, as discussões em andamento estão focadas em preencher as lacunas para implementação: decidir de onde virá o dinheiro do fundo, como será distribuído e quem o receberá.

Em Bonn, a agenda da conferência era decidir sobre um host (organização anfitriã) para a rede de Santiago (destinada a discutir as perdas e danos) que foi estabelecida na COP25 e, desde então, tem sido abraçada pelos países em desenvolvimento como uma oportunidade de ajudá-los a obter apoio. Essa decisão deveria ser tomada em Bonn para que pudesse ser aprovada durante a próxima COP, mas não houve evolução neste sentido, deixando uma carga de trabalho adicional para a COP28 e atrasando a implementação da rede.

Para essa decisão, que foi adiada, existiam duas propostas consoante o relatório de avaliação: (i) o Escritório de Serviços de Projetos das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres (UNDRR/UNOPS), sediado em Nairóbi, Quênia; e (ii) o Banco de Desenvolvimento do Caribe (CDB), com sede em Barbados.

  • Medidas de adaptação – Bonn foi palco de quatro áreas principais de negociação neste tema: o objetivo global de adaptação (GGA), o Comitê de Adaptação, o programa de trabalho de Nairóbi e os planos nacionais de adaptação (NAPs).

As discussões sobre o tema foram acirradas e apenas no penúltimo dia foi acordada uma estrutura para o GGA. Os NAPs foram adotados sem contestações. Os resultados foram vistos como positivos pela maioria dos países, como Costa Rica, Brasil, Filipinas, Austrália, Egito e África do Sul.

  • Mitigação – um dos principais aspectos de divergência em Bonn foi a inclusão do Programa de Trabalho de Ambição e Implementação de Mitigação de Sharm el-Sheikh (MWP) na agenda.

O MWP, que visa “aumentar urgentemente a ambição e a implementação da mitigação nesta década crítica”, foi estabelecido na COP26 e, na COP27, as partes concordaram que deveria começar imediatamente.

A Bolívia, em nome dos Países Em Desenvolvimento Com Mentalidade Semelhante (LMDC), apresentou uma solicitação para adicionar um item à agenda sobre “aumentar urgentemente o apoio financeiro das Partes países desenvolvidos, de acordo com o Artigo 4.5, para permitir implementação para os países em desenvolvimento nesta década crítica”. Tema esse apoiado por Cuba, pelo Grupo Árabe e pela Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA).

Houve, ao redor do tema, um impasse, gerando a preocupação de que a agenda de Bonn não fosse adotada. No fim, tanto o Subsidiary Body for Implementation (SBI) quanto o Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice (SBSTA) finalmente adotaram suas agendas na penúltima noite da conferência, e o item proposto sobre apoio financeiro foram retirados da agenda.

  • Artigo 6 do Acordo de Paris (mercados internacionais de carbono) – as principais questões se concentraram em aspectos altamente técnicos relacionados ao desenvolvimento do processo de autorização, transferência, registro e rastreabilidade dos Resultados de Mitigação Internacionalmente Transferidos (ITMOs) e Reduções de Emissões do Artigo 6.4. Além disso, foram abordados os procedimentos de relatório dessas transações, realização de ajustes correspondentes e a importância da revisão e transparência em torno do mecanismo de crédito e se as partes podem mudar de ideia sobre a emissão de créditos uma vez que já os tenham vendido.

Países como Zâmbia e Papua Nova Guiné entendem que estes são itens problemáticos e que precisam ser melhor discutidos. Em uma nota positiva, as partes concordaram que um manual deveria ser criado para ajudar os países em desenvolvimento a participar do comércio do Artigo 6.2.

  • Financiamento Climático – ainda que não tenha sido um tema específico da pauta em Bonn, este se mostrou como fator chave em quase todos os temas discutidos.

As negociações de Bonn deixaram claro mais uma vez que o financiamento climático tem o potencial de interromper significativamente as negociações. Em seus discursos finais, diversos países, como Egito, Zâmbia, Bolívia e representantes das Comunidades Indígenas, apontaram que nações desenvolvidas estão polarizando as discussões ao tentarem revisitar o que já foi decidido no Acordo de Paris e na COP27 e, assim, evitar a operacionalização do fluxo do financiamento. Por isso, há grandes chances de este ser um tema espinhoso na COP28.

Adicionalmente, é importante esclarecer a divergência quanto à abordagem dos combustíveis fósseis. Durante a Conferência de Bonn, a Agência Internacional de Energia (IEA) informou o prognóstico de que a demanda global por petróleo continuará aumentando até pelo menos 2028. Nesse contexto, os apelos pela eliminação dos combustíveis fósseis se intensificaram com a tentativa de um “Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis em Bonn”. A iniciativa ganhou impulso após mais de 80 nações expressarem seu apoio a uma “redução gradual” (phase down) dos combustíveis fósseis durante a COP27.

A questão da transição justa (processo de mudança na matriz energética de uma sociedade, no qual se busca equidade, inclusão e respeito pelos direitos das pessoas afetadas por essa transição) acabou envolvendo os mesmos argumentos presentes em outras negociações. Isso ocorre, em parte, porque o apoio às comunidades que abandonam os combustíveis fósseis envolve custos financeiros. Logo, a negociação sobre a transição justa representa outra oportunidade para os países em desenvolvimento buscarem financiamento climático.

Os países em desenvolvimento conceberam um programa abrangente com perspectiva internacional, incluindo apoio financeiro e transferência de tecnologia. As discussões resultaram em um documento longo, conhecido como “nota informal“, que refletiu uma ampla gama de opiniões. Como resultado, o documento incluiu as prioridades dos países em desenvolvimento, como cooperação internacional, aumento do financiamento climático para apoiar transições justas e até mesmo a proposta de um “Tribunal Internacional de Justiça Climática” para tratar de questões relacionadas às atividades de transição justa.

No entanto, é importante destacar que todo o conteúdo dessa nota está entre aspas, o que significa que ainda não foi acordado e continuará sendo debatido em futuras negociações climáticas da ONU.

O Brasil marcou posição em Bonn com discursos demostrando seus compromissos na promoção da educação climática dos jovens no país e destacou a importância do tema na agenda do governo. Apontou também a necessidade de combater às mudanças climáticas através de metas e resultados que sejam mais ambiciosos e atentos à uma transição justa e igualitária.

O Rolim Goulart Cardoso Advogados segue acompanhando os temas de perto, enquanto se prepara para participar da COP28 com time presencial e virtual, a fim de analisar em primeira mão os desdobramentos mais relevantes no assunto das alterações climáticas. Os resultados obtidos durante a Conferência de Bonn indicam que a próxima COP em Dubai enfrentará grandes desafios e ainda tem grandes lacunas a serem preenchidas com relação a temas importantes.