Publicada a lei que estabelece o novo Marco Legal do Saneamento Básico

Foi publicada a Lei 14.026, de 15 de julho de 2020, já conhecida como novo Marco Legal do Saneamento Básico nacional. A nova lei é resultado de alterações em diversos dispositivos legais até então vigentes com objetivo de estimular a realização de investimentos para o desenvolvimento da infraestrutura de saneamento básico nacional e garantir a progressiva universalização dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Com a nova lei, o governo tem a expectativa de que surjam ciclos de intenso investimento privado no Brasil, a partir de projetos de privatização, concessão de serviços públicos de saneamento e licitações decorrentes de declarações de caducidade de concessões que não cumprirem as metas estabelecidas.

A nova lei volta a atenção para elementos que possam gerar ganhos de escala, uniformidade regulatória, segurança jurídica, redução de custos de transação, cumprimento de contratos e também o equilíbrio econômico-financeiro dos projetos de saneamento básico, tais como:

a) Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA): remodelagem e ampliação das competências;
b) Normas de Referência: para adoção pelos entes federativos federais e municipais, inclusive para acesso a recursos geridos pela administração pública federal;
c) Contratos: Determinação de cláusulas essenciais, condições de contratação de serviços públicos de saneamento básico, de critérios para avaliação de contratos vigentes e regras de indenização para investimentos realizados;
d) Regionalização: Reforço de mecanismos para prestação de serviços de forma regionalizada;
e) Universalização: Estabelecimento de metas e reforço de medidas sancionatórias, inclusive para a caducidade da concessão;
f) Livre concorrência e seleção de prestadores de serviços;
g) Redução progressiva e controle das perdas de água, e aperfeiçoamento de equipamentos e métodos economizadores de água.

A seguir, apresentamos uma síntese dos dispositivos previstos na nova lei:

  1. Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA): responsável pela instituição de normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico por seus titulares e suas entidades reguladoras e fiscalizadoras. A nova legislação também define que a ANA deverá:
    (i) adotar estudo de impacto regulatório das normas de referência, as melhores práticas regulatórias do setor, bem como realizar consultas, audiências públicas e estudos técnicos;
    (ii) zelar pela uniformidade regulatória do setor de saneamento básico e pela segurança jurídica na prestação e na regulação dos serviços;
    (iii) disponibilizar ação mediadora ou arbitral nos conflitos que envolvam titulares, agências reguladoras ou prestadores de serviços públicos de saneamento básico;
    (iv) manter atualizada e disponível a relação das entidades reguladoras e fiscalizadoras que adotam as normas de referência, com vistas a viabilizar o acesso aos recursos públicos federais ou a contratação de financiamentos com recursos geridos pela União. Tal dispositivo tende a ser um importante indutor para que entes federativos adotem as normas de referência para viabilizar o acesso a recursos geridos pela administração pública federal;
    (v) contribuir com a articulação entre o Plano Nacional de Saneamento Básico, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos e o Plano Nacional de Recursos Hídricos. A nova lei também promove alterações em dispositivos aplicáveis ao manejo de resíduos sólidos.
  2. As normas de referência deverão regular, entre outros, os padrões de qualidade e eficiência; regulação tarifária; padronização de contratos de prestação de serviços públicos, contendo metas de qualidade, eficiência e ampliação da cobertura, matriz de riscos e mecanismos de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das atividades; metas de universalização que considerem, entre outros, o nível de cobertura existente e a viabilidade econômico-financeira da expansão; critérios de contabilidade regulatória; redução progressiva da perda de água; metodologia de cálculo de indenizações devidas em razão de investimentos; governança das entidades reguladoras; reuso de efluentes; parâmetros para determinação da caducidade; sistema de avaliação do cumprimento de metas.
    As normas de referência deverão ainda estimular: a livre concorrência; a competitividade; a eficiência e a sustentabilidade econômica; a cooperação entre os entes federativos; a regionalização da prestação de serviços visando contribuir com a criação de ganhos de escala, eficiência e a universalização dos serviços; a definição de critérios limitadores da sobreposição de custos; assegurar a prestação concomitante de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

    c) Regula e delimita os chamados contratos de programa, reforçando a exigência de licitação prévia para concessão dos serviços. Por sua vez, os contratos de programa regulares vigentes permanecem em vigor até o advento do seu termo contratual.

    d) Propõe cláusulas essenciais para contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico.

    e) Prevê a possibilidade de adoção de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes do contrato, inclusive arbitragem.

    f) Os contratos em vigor estarão condicionados à comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada com vistas a viabilizar a universalização dos serviços na área licitada até 31 de dezembro de 2033.

    g) Trata da subdelegação de serviços públicos de saneamento básico.

    h) Estabelecimento de metas de universalização que garantam o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento. A nova lei também prevê mecanismos. Os contratos em vigor que não possuírem tais metas terão até 31 de março de 2022 para viabilizar essa inclusão, havendo também regras de transição para os casos de contratos que possuem metas diferentes daquelas estabelecidas na lei.

    i) O cumprimento das metas de universalização e não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento deverá ser verificado anualmente pela agência reguladora, observando-se um intervalo dos últimos 5 anos, nos quais as metas deverão ter sido cumpridas em, pelo menos, 3. Não atingidas as metas, deverá ser iniciado processo administrativo com objetivo de avaliar as ações a serem adotadas, medidas sancionatórias, com possibilidade de declaração de caducidade.

    j) Estímulo à prestação de serviços regionalizada em diversos dispositivos.

    k) Disciplina indenização dos investimentos vinculados a bens reversíveis não amortizados ou depreciados no caso de transferência de serviços de um para outro prestador de serviços.

    l) Trata da conexão de edificações ao sistema de saneamento, prevê hipóteses de cobrança pelos serviços e estabelece prazos para adaptação às novas regras, sob pena de responsabilização administrativa, contratual e ambiental.

    m) Prioridade de investimentos de capital que (i) viabilizem a prestação de serviços regionalizada, por meio de blocos regionais, quando a sua sustentabilidade econômico-financeira não for possível apenas com recursos oriundos de tarifas ou taxas, mesmo após agrupamento com outros Municípios do Estado; (ii) visem ao atendimento de Municípios com maiores déficits de saneamento cuja população não tenha capacidade de pagamento compatível com a viabilidade econômico-financeira dos serviços.

    n) Mecanismos que visam ampliar os níveis de publicidade, transparência de informações, bem como de auditoria.

    o) Altera a Lei 13.529/17 que dispõe sobre a participação da União em fundo de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos de concessões e parcerias público-privadas.

    p) Altera a Lei 11.107/05 que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos, estabelecendo que os contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico deverão observar o art. 175 da Constituição Federal, vedada a formalização de novos contratos de programa para esse fim.

    q) Prevê a edição de Decreto para dispor sobre o apoio técnico e financeiro da União à adaptação dos serviços públicos de saneamento básico às disposições da nova lei, observadas determinadas etapas e condições que foram disciplinadas.

    r) Os contratos de concessão e os contratos de programa para prestação dos serviços públicos de saneamento básico existentes na data de publicação da nova lei permanecem em vigor até o advento do seu termo contratual.

    s) Os contratos de parcerias público-privadas ou de subdelegações que tenham sido firmados por meio de processos licitatórios deverão ser mantidos pelo novo controlador, em caso de alienação de controle de empresa estatal ou sociedade de economia mista.

    t) Os titulares de serviços públicos de saneamento básico deverão publicar seus planos de saneamento básico até 31 de dezembro de 2022, manter controle e dar publicidade sobre o seu cumprimento, bem como comunicar os respectivos dados à ANA para inserção no Sinisa.

  3. A Lei 14.026/20 também altera a Lei 12.305/10 que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e estabelece que a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos deverá ser implantada até 31 de dezembro de 2020, exceto para os Municípios que até essa data tenham elaborado plano intermunicipal de resíduos sólidos ou plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos e que disponham de mecanismos de cobrança que garantam sua sustentabilidade econômico-financeira, nos termos do art. 29 da Lei n° 11.445/07. Para esses casos, ficam definidos os seguintes prazos:

    a) até 2 de agosto de 2021: para capitais de Estados e Municípios integrantes de Região Metropolitana (RM) ou de Região Integrada de Desenvolvimento (Ride) de capitais;
    b) até 2 de agosto de 2022: para Municípios com população superior a 100 mil habitantes, bem como para Municípios cuja mancha urbana da sede municipal esteja situada a menos de 20 quilómetros da fronteira com países limítrofes;
    c) até 2 de agosto de 2023, para Municípios com população entre 50 mil e 100 mil habitantes; e
    d) até 2 de agosto de 2024, para Municípios com população inferior a 50 mil habitantes.

    O projeto aprovado pelo Congresso recebeu 12 vetos do Presidente da República, em dispositivos sintetizados abaixo:

 

  1. § 4º do art. 3º da Lei nº 11.445/07, alterado pelo art. 7º do projeto de lei por violar “o § 3º do art. 25 da Constituição, ante a compulsoriedade da participação dos Municípios em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas (v. g. ADI 1842, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28/02/2013).
  2. § 12 do art. 50 e § 1º do art. 54 da Lei nº 12.305/10, alterado pelo art. 11 do projeto de lei, por considerar que violam as regras do art. 113 do ADCT, bem como os arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal ao determinar a realização de apoio sem apresentação da respectiva estimativa de impacto orçamentário e financeiro;
  3. § 5º do art. 11-A da Lei nº 11.445/07, alterado pelo art. 7º do projeto de lei por gerar insegurança jurídica ao permitir ultrapassar o limite de 25% previsto para subdelegação do objeto contratado;
  4. Art. 22 do projeto de lei por gerar insegurança jurídica ao alterar nomenclatura do atual cargo de “Especialista em Recursos Hídricos”.
  5. Art. 46-A da Lei nº 11.445/07, alterado pelo art. 7º do projeto de lei por alterar as regras de competência, funcionamento e de órgão do Poder Executivo, violando o art. 61, § 1º, II, ‘e’, da Constituição.
  6. Parágrafo único do art. 17 por possibilitar que os contratos de distribuição de água prevejam a vinculação com determinados fornecedores, contrariando o princípio da competitividade, igualdade dos participantes, seleção da proposta mais vantajosa, moralidade e impessoalidade, nos termos do art. 37 da Constituição da República.
  7. § 6º e §7º do art. 14 por considerar que tais dispositivos, ao dispor sobre indenização dos investimentos não amortizados nos casos de alienação do controle acionário das empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos de saneamento básico, geram insegurança jurídica por estar em descompasso com as disposições da Lei 8.987/95 (Lei de Concessões) a qual já dispõe sobre todo o processo de concessões.
  8. Art. 16 que regularizava e reconhecia contratos de programa e situações não formalizadas de prestação de serviços de saneamento básico, prorrogando pelo prazo de 30 anos, por considerar que haveria prolongamento demasiado da situação atual, postergando soluções para os impactos ambientais e de saúde pública decorrentes da falta de saneamento básico e da gestão inadequada da limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. O dispositivo também limitaria a livre iniciativa e a livre concorrência, contrariando os objetivos do novo marco legal do saneamento básico que busca a celebração de contratos de concessão, mediante prévia licitação, estimulando a competitividade da prestação desses serviços com eficiência e eficácia.
  9. Art. 20 que afastava para os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, a aplicação do § 8º, do art. 13 da Lei 11.107/05 (normas gerais de contratação de consórcios públicos) e dos artigos 8º, 10 e 10-A, da Lei 11.445/07 (diretrizes nacionais para o saneamento básico), quebrando a isonomia entre as atividades de saneamento básico, tornando menos atraente para investimentos, o que estaria em descompasso com a almejada universalização dos serviços.
  10. Art. 21 que tratava sobre licenciamento ambiental ao dispor sobre o âmbito de competência dos municípios para promoção de licenciamento ambiental e em razão do estabelecido na Lei Complementar 140/11.

Sem dúvida, a 14.026/20 pode ser tornar um importante indutor de desenvolvimento do saneamento básico nacional.