Tributário

Implementação do Pilar 2 no Brasil

Em um esforço para alinhar seu sistema tributário com as regulamentações globais de combate à erosão da base tributária da OCDE (GloBE), o Brasil publicou, em 3 de outubro de 2024, a Medida Provisória 1.226 e a Instrução Normativa RFB nº 2.228. Essas medidas, legislativa e administrativa, introduzem um adicional de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para garantir uma alíquota mínima efetiva de 15% para empresas multinacionais. Este movimento faz parte do compromisso do Brasil com o Inclusive Framework da OCDE/G20 sobre Erosão da Base e Transferência de Lucros (BEPS), visando combater a evasão fiscal e garantir a tributação justa das corporações multinacionais.

Embora a Medida Provisória ainda precise passar por ambas as casas do Congresso para ser aprovada, espera-se que esse processo ocorra de forma relativamente tranquila, dado o alinhamento do Brasil com os padrões tributários internacionais.

Tributo Suplementar Mínimo Doméstico Qualificado

O Tributo Suplementar Mínimo Doméstico Qualificado (QDMTT no acrônimo em inglês) é um componente fundamental dessas disposições. O objetivo desse tributo é garantir que as empresas multinacionais (MNEs) operando no Brasil estejam sujeitas a um nível mínimo de tributação, reduzindo assim o incentivo para a transferência de lucros para jurisdições de baixa tributação. O QDMTT funciona como um adicional de CSLL, garantindo que a alíquota efetiva sobre os lucros não caia abaixo de 15%.

O QDMTT não é apenas uma ferramenta fiscal, mas uma iniciativa estratégica para alinhar o Brasil aos padrões tributários globais. Ao adotar tais medidas, o Brasil reforça sua dedicação às práticas tributárias equitativas e à transparência, estabelecendo-se como um participante proativo na arena tributária internacional, ao mesmo tempo em que demonstra seu compromisso com a promoção da justiça econômica e a redução do planejamento tributário agressivo.

Aplicabilidade

O QDMTT é aplicável às entidades constituintes de empresas multinacionais (MNEs) que tenham gerado receitas consolidadas anuais de pelo menos €750 milhões em pelo menos dois dos quatro exercícios fiscais anteriores ao exercício atual. Este limite é consistente com as regulamentações GloBE da OCDE, que são projetadas para atingir grandes empresas multinacionais mais aptas à transferência de lucros e erosão da base tributária. As receitas consideradas incluem vendas líquidas de bens, serviços e outras atividades ordinárias, bem como ganhos líquidos de investimentos e ganhos extraordinários ou não recorrentes.

Este critério de aplicabilidade garante que o QDMTT tenha como alvo apenas os maiores atores multinacionais, aqueles com recursos e estruturas para se engajar em estratégias complexas de planejamento tributário. Ao focar nessas entidades, o Brasil visa abordar a raiz da erosão da base tributária, minimizando o ônus sobre as empresas menores que podem não ter a mesma capacidade para a transferência de lucros.

Regras Transitórias e Salvaguardas

Para facilitar a implementação do QDMTT, a medida provisória e a instrução normativa delineiam várias regras transitórias e salvaguardas. Estas incluem:

  • Percentuais de Exclusão Transitória: As medidas estabelecem uma redução gradual nos percentuais de exclusões baseadas em folha de pagamento e ativos tangíveis, começando com percentuais maiores em 2025 (por exemplo, 9,6% para folha de pagamento e 7,6% para ativos tangíveis) e reduzindo gradualmente para 5% até 2032. Esta abordagem faseada permite que as empresas se adaptem progressivamente ao novo regime tributário, concedendo-lhes o tempo necessário para reestruturar suas operações e relatórios financeiros de acordo com os novos padrões.
  • Salvaguardas: Para aliviar o ônus administrativo durante o período de transição, certas entidades, incluindo entidades de propriedade minoritária, entidades apátridas, joint ventures e entidades de investimento, têm a opção de conformidade simplificadas. Essas salvaguardas são projetadas para fornecer alívio e reduzir a complexidade para entidades qualificadas, garantindo que a transição para o novo quadro tributário seja o mais suave possível.
  • Regras de Simplificação Transitória: Essas regulamentações permitem que multinacionais específicas tratem o adicional de CSLL como zero para um exercício fiscal se as entidades satisfizerem critérios específicos com base em seu Relatório País a País (CbCR). Esses critérios incluem uma alíquota efetiva mínima de 16% para 2025 e 17% para 2026, bem como uma receita total abaixo de €10 milhões e um lucro ou prejuízo abaixo de €1 milhão. As regulamentações são aplicáveis a exercícios fiscais que comecem em ou antes de 31 de dezembro de 2026 e concluam em ou antes de 30 de junho de 2028. Um grupo multinacional está proibido de aplicar a regra em anos subsequentes se não o fizer quando elegível.

As regras transitórias e salvaguardas são componentes críticos da estratégia de implementação do QDMTT. Elas demonstram o reconhecimento do governo brasileiro dos desafios associados a uma reforma tributária significativa e seu compromisso em apoiar as empresas durante essa transição.

Disposições Específicas

  • Conversão de Incentivos Fiscais: A partir de 2026, o Poder Executivo está autorizado a converter, total ou parcialmente, incentivos fiscais concedidos a contribuintes na Zona Franca de Manaus em um crédito financeiro classificado como Crédito Tributário Reembolsável Qualificado. Esta conversão, ainda, incorporará requisitos de substância utilizados no cálculo da Exclusão de Renda Baseada em Substância. Ao fazer isso, o Brasil busca garantir que esses incentivos fiscais estabilizados para o desenvolvimento de regiões subdesenvolvidas do país estejam alinhados com as novas regras.
  • Revogação dos Regimes de Subtributação: A lei contém disposições que revogam o conceito de regimes de subtributação. Tal conceito era utilizado no contexto da aplicação das regras de Controlled Foreign Corporation (CFC) no Brasil. Além disso, a MP permite a exclusão excepcional de um país ou dependência de ser classificado como tendo um regime fiscal favorável ou regime fiscal privilegiado se esse contribuir significativamente para o desenvolvimento nacional por meio de investimentos substanciais no Brasil. O Poder Executivo federal regulamentará essas disposições, incluindo os critérios e a periodicidade para investimentos qualificados.

Próximos Passos para os Contribuintes

Os contribuintes sujeitos a essas novas regras devem tomar as seguintes medidas para garantir a conformidade:

  • Revisão e Ajuste dos Relatórios Financeiros: Com o objetivo de garantir um cálculo preciso da renda GloBE e dos tributos abrangidos ajustados de acordo com os novos requisitos, as MNEs devem avaliar seus sistemas atuais de relatórios financeiros. Isso pode implicar na modificação das práticas e sistemas contábeis para cumprir os novos padrões. As empresas devem considerar investir em software avançado de conformidade tributária e treinamento para suas equipes financeiras para se adaptar efetivamente a essas mudanças.
  • Avaliação da Estrutura do Grupo: Para identificar quaisquer impactos potenciais do QDMTT e contemplar uma reestruturação, se necessário, as empresas devem avaliar suas estruturas de grupo e transações intercompanhias. Esta avaliação ajudará a compreender as implicações fiscais e otimizar a posição tributária do grupo.
  • Engajamento com as Autoridades Tributárias: É aconselhável que as MNEs se envolvam com as autoridades fiscais brasileiras para obter clareza sobre disposições específicas e garantir alinhamento com as diretrizes da OCDE. Nesse tópico, é importante destacar que a Receita Federal do Brasil lançou uma consulta pública sobre a recente Instrução Normativa nº 2.228/2024. O período de consulta vai de 4 de outubro a 10 de novembro de 2024. Os participantes, incluindo empresas e acadêmicos, são convidados a enviar seus comentários, particularmente sobre se a instrução atende aos critérios para um Tributo Suplementar Mínimo Doméstico Qualificado (QDMTT) e sugerir melhorias.

Em Resumo

A implementação do QDMTT no Brasil representa uma mudança substancial na estratégia de tributação internacional do país, que é consistente com as iniciativas globais para mitigar a erosão da base tributária. Ao implementar essas medidas, o Brasil pretende estabelecer um ambiente tributário mais equitativo e garantir que as empresas multinacionais paguem sua parcela justa de impostos. As MNEs que operam no Brasil devem se ajustar proativamente ao novo cenário para garantir a conformidade e otimizar suas posições fiscais à medida que essas regras entram em vigor.

A implementação do Pilar 2 não se trata apenas de conformidade; é indicativa de um compromisso mais amplo com a cooperação internacional e a responsabilidade fiscal. Esta ação é um passo significativo em direção à assimilação do Brasil no quadro econômico global, o que solidificará ainda mais sua reputação como uma jurisdição transparente e equitativa para operações empresariais multinacionais. As empresas devem permanecer vigilantes e adaptáveis enquanto navegam por este novo terreno, garantindo que cumpram suas obrigações fiscais em um ambiente regulatório em rápida evolução, ao mesmo tempo em que aproveitam as oportunidades proporcionadas por essas mudanças.