Contencioso empresarial

Evolução do regramento sobre honorários de sucumbência na legislação e em decisões judiciais 

Ana Carolina Bins Gomes da Silva[1]

Christofer dos Reis Silva[2]

João Victor Magalhães Vitalino[3]

1. HISTÓRICO

O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei nº 8.906/94, prevê, expressamente, a obrigatoriedade da contraprestação em relação ao serviço advocatício prestado por profissional inscrito na referida instituição.

Existem diferentes espécies de honorários. A contraprestação devida aos advogados por seus clientes é comumente estabelecida por meio de contrato particular, os chamados honorários convencionados, fixados, como o próprio nome sugere, em comum acordo entre as partes. Os honorários convencionados podem ser arbitrados livremente, não existindo limites para o seu valor[4], e podem ser relacionados a qualquer serviço, seja judicial, extrajudicial ou de consultoria.

Segundo Nelson Nery Júnior, os honorários convencionais são “aqueles a respeito dos quais houve acordo das partes, normalmente por contrato escrito contendo as cláusulas que regulam a relação negocial entre o constituinte e o advogado constituído no que tange ao pagamento da contrapartida pela prestação dos serviços advocatícios”.[5]

Todavia, nos casos em que não houver contrato escrito para a definição da verba remuneratória do advogado, os honorários devem ser arbitrados pelo magistrado, nos termos do art. 22, §2º da Lei nº 8.906/94. São os chamados honorários por arbitramento:

Aqueles fixados pelo juiz em ação de arbitramento de honorários de advogado (EOAB 22 § 2.º), procedimento que deve ser utilizado sempre que não houver contrato escrito de honorários entre constituinte e constituído, embora possa haver contrato de mandato entre eles.[6]

Os honorários de sucumbência, por sua vez, são aqueles fixados pelos Magistrados e Desembargadores nas ações judiciais e devidos aos advogados da parte vencedora ou parcialmente vencedora da demanda. Essa espécie de honorários nem sempre teve caráter de remuneração pelos trabalhos realizados pelo advogado, como vemos no Código de Processo Civil de 2015. A sucumbência é definida como a derrota no processo judicial, sendo sucumbente a parte vencida. Yussef Said Cahali apresenta a seguinte definição para o termo “vencido”:

Vencido é aquele contra o qual o direito é declarado, aquele contra o qual a sentença é proferida; em outras palavras, vencido é o réu, se o pedido do autor é julgado procedente; é o autor, no caso contrário.[7]

Ainda sobre o princípio da sucumbência, ensina Nelson Nery Júnior que:

Os honorários de advogado e as despesas do processo deverão ser pagas, a final, pelo perdedor da demanda. Vencido é o que deixou de obter do processo tudo o que poderia ter conseguido. Se pediu x, y e z, mas conseguiu somente x e y, é sucumbente quanto a z. Quando há sucumbência parcial, como no exemplo dado, ambos os litigantes deixaram de ganhar alguma coisa, caracterizando-se a sucumbência recíproca (v. CPC 997). A sucumbência pode dar-se tanto quanto ao pedido principal como quanto aos incidentes processuais. Assim, aquele que ficou vencido em determinado incidente processual deve pagar as despesas do incidente, ainda que vencedor quanto à pretensão de mérito. Quando houver sucumbência recíproca, os advogados de ambas as partes terão direito à percepção de honorários de sucumbência, vedada a compensação (CPC 85 § 14).[8]

Assim, os honorários de sucumbência são definidos como a verba que a parte vencida deve pagar para remunerar o advogado da parte vencedora pelos serviços prestados e pelo resultado obtido na ação. Por ser uma obrigação, os honorários de sucumbência possuem um caráter vinculante, conforme esclarece Humberto Theodoro Júnior:  

É que o pagamento dessa verba não é o resultado de uma questão submetida ao juiz. Ao contrário, é uma obrigação legal, que decorre automaticamente da sucumbência, de sorte que nem mesmo ao juiz é permitido omitir-se frente à sua incidência.[9]

No entanto, é importante destacar que nem sempre os honorários de sucumbência foram vinculantes e possuíram caráter remuneratório ao advogado.

Na vigência do Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-Lei nº 1.608/39), era estabelecido que “a parte vencida que tiver alterado, intencionalmente, a verdade, ou se houver conduzido de modo temerário no curso da lide, provocando incidentes manifestamente infundados, será condenada a reembolsar à vencedora as custas do processo e os honorários advocatícios” (art. 63 do Decreto-Lei 1.608/39).

Portanto, os honorários de sucumbência possuíam um caráter de restituição para a parte vencedora (e não de remuneração para o seu advogado), fixados em casos específicos de litigância de má-fé. Nas palavras de Rogério Licastro Torres de Mello, sobre os honorários na vigência do CPC/39:

No sentido de que a condenação em honorários sucumbenciais precipuamente destinava-se à recomposição da parte vencedora relativamente ao que esta houvesse adiantado (em termos de honorários contratuais) ao seu advogado, mencione-se que, quando atuava o advogado em causa própria na vigência do CPC de 1939, não se previa a condenação em honorários de sucumbência em seu favor, justamente porque a atuação em causa própria significava a ausência de qualquer desembolso relacionado a honorários convencionais.[10]

A partir do Código de Processo Civil de 1973, os honorários de sucumbência passaram a ser, de fato, exigíveis, por meio do seu art. 20, que determinava que a sentença deve, obrigatoriamente, condenar a parte vencida a pagar honorários para o vencedor, fixados entre 10% a 20% do valor da condenação. Veja-se:

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. [..]

§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: [..]

Desse modo, apesar de instituir o princípio da sucumbência em nosso ordenamento jurídico, em que o vencido deve ser obrigatoriamente condenado a pagar honorários ao vencedor, a referida verba advocatícia permaneceu sem que tivesse um caráter remuneratório.

Já com o advento do Código de Processo Civil de 2015 foi incluída, em seu artigo 85, a determinação de que a sentença deve condenar o vencido (princípio da sucumbência) a pagar honorários ao advogado do vencedor, e não mais à parte, como estabelecia o CPC/73, assumindo uma natureza remuneratória/salarial.      

Dessa forma, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários de sucumbência é objetiva, destinada exclusivamente ao advogado, para que consiga reparar as suas despesas, manutenção do escritório, remuneração dos seus auxiliares, além do próprio ofício realizado durante a tramitação do feito.

2. ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

O atual Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) foi publicado no Diário Oficial da União no dia 16 de março de 2015, passando a vigorar no ano seguinte. O referido diploma trouxe importantes alterações no que se refere aos honorários de sucumbência, bem como consolidou alguns princípios básicos da Constituição Federal.

No ano de 2006, o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio no Recurso Extraordinário nº 470.407[11], concluiu que os honorários advocatícios, mesmo não pertencendo ao rol categórico dos créditos de natureza alimentícia contidos no art. 100 da Constituição Federal, possuem essa natureza.

Na prática, o STF entendeu que os honorários seriam uma espécie de “remuneração” para o advogado, possuindo os mesmos efeitos que o salário previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas. Em outras palavras, os honorários seriam a contraprestação do serviço prestado, sendo indispensáveis, uma vez que têm natureza alimentícia.

Por esse motivo, a primeira grande alteração trazida pelo Código de Processo Civil de 2015 foi acrescentar expressamente a natureza alimentícia dos honorários, em seu § 14 do art. 85, veja-se:

§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

O novo Código de Processo Civil também consolidou o princípio da causalidade para a fixação dos honorários. Isso porque, com o CPC/15, aquele que deu causa à propositura da ação, inclusive na instauração de incidente processual, deve responder pelas despesas e honorários de sucumbência.

Veja-se, portanto, que há uma importante distinção entre os princípios da sucumbência e causalidade, conforme ensina Rogério Licastro Torres de Mello:

O princípio da causalidade, ao contrário do que sucede com o princípio da sucumbência, serve de paradigma para fins de estipulação de honorários sucumbenciais em virtude não do insucesso da pretensão (o que é característico do princípio da sucumbência), porém da circunstância de uma das partes da ação haver dado causa ao ajuizamento desta.[12]

Além disso, o CPC/15 estabeleceu: (i) a majoração dos honorários de sucumbência em grau recursal (art. 85, §11º do CPC/15[13]), para compensar o trabalho adicional gerado pelo recurso; e (ii) fez constar expressamente que os honorários de sucumbência são destinados aos advogados e não às partes (art. 85, caput do CPC/15).

Outra notável alteração do atual Código de Processo Civil (talvez a mais relevante) se deve à redução da disparidade entre o ente privado e público no que compete aos honorários de sucumbência fixados por equidade, garantindo o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição Federal).

Relembre-se que o Código de Processo Civil de 1973 não trazia muitas regras em relação aos honorários de sucumbência, se limitando a fixar percentual mínimo (10%) e máximo (20%) sobre o valor da condenação. Além disso, o parágrafo quarto do art. 20 do CPC/73 trazia a possibilidade de fixar os honorários por equidade, nos seguintes termos:

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.

§3º. Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:

a) o grau de zelo do profissional;

b) o lugar de prestação do serviço

c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.  

§ 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.

Na prática, o parágrafo quarto do referido artigo trouxe uma série de problemas ao ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, nos casos em que a Fazenda Pública era a parte vencedora, se aplicavam os limites previstos no referido art. 20, independentemente do montante envolvido na lide. Em contrapartida, nos casos em que a Fazenda Pública era parte vencida, os honorários de sucumbência eram arbitrados por equidade, havendo casos em que a referida verba chegava a corresponder a menos de 1% (um) por cento do valor envolvido na demanda, sob o fundamento da supremacia do interesse público em relação aos interesses particulares. Veja-se:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. AÇÃO ORDINÁRIA. DECLARAÇÃO DO DIREITO À COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO. HONORÁRIOS. ART. 20, §§ 3º E 4º, DO CPC. CRITÉRIO DE EQUIDADE.

1. Vencida a Fazenda Pública, a fixação dos honorários não está adstrita aos limites percentuais de 10% e 20%, podendo ser adotado como base de cálculo o valor dado à causa ou à condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, ou mesmo um valor fixo, segundo o critério de equidade.

[..]

4. Tratando-se de ação ordinária promovida pelo contribuinte para obter a declaração judicial de seu direito à compensação tributária segundo os critérios definidos na sentença não havendo condenação em valor certo, já que o procedimento deverá ser efetivado perante a autoridade administrativa e sob os seus cuidados, devem ser fixados os honorários de acordo com a apreciação equitativa do juiz, não se impondo a adoção do valor da causa ou da condenação, seja porque a Fazenda Pública foi vencida, seja porque a demanda ostenta feição nitidamente declaratória.

5. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008.[14]

Vale lembrar que a Fazenda Pública representa todo e qualquer ente público na demanda jurisdicional, seja a administração pública direta (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) ou a administração pública indireta (as demais repartições públicas, como por exemplo as autarquias), e sempre que for parte de algum processo, será necessário ser representada por algum advogado.

Por conta de todo o contexto histórico mencionado, o legislador, ao instituir o Código de Processo Civil de 2015, apresentou novos parâmetros objetivos para a fixação dos honorários de sucumbência em processos envolvendo a Fazenda Pública. A nova lei estabeleceu um critério escalonado de fixação dos honorários, devendo ser utilizados como parâmetros, assim como nas ações envolvendo entes privados, a condenação, o proveito econômico obtido pela parte vencedora ou o valor da causa. Veja-se:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

(…)

§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:

I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;

II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;

III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;

IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;

V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

(…)

§ 5º Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente.

Apesar da redução da disparidade, os critérios acima definidos ainda são desiguais em relação àqueles processos nos quais ambas as partes litigam sem a presença da Fazenda Pública. Para ilustrar essa diferença, podemos citar o exemplo de uma condenação equivalente a duzentos mil salários-mínimos, em que o valor máximo que a sucumbência poderá atingir será de 8.660 salários mínimos se presente a Fazenda Pública. Entretanto, se não há a presença de ente público, o valor máximo (20%) equivalerá a 40 mil salários-mínimos.

Já em relação aos honorários de sucumbência fixados por equidade, o CPC/15 limitou a sua aplicação por meio do art. 85, §8º, de modo que a referida regra passou a valer apenas para as causas em que for inestimável ou irrisório o valor do proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, aplicando-se essa regra tanto para as causas que envolvem a Fazenda Pública quanto para aquelas que envolvem ente privado, o que ensejou considerável alteração em relação ao texto do art. 20, §4º do CPC/73.

Conforme se demonstrará nos próximos tópicos, houve uma aplicação extensiva do referido dispositivo para a redução dos honorários de sucumbência na hipótese em que forem exorbitantes a condenação ou o valor da causa, adotando o Judiciárioparâmetros subjetivos para a fixação da verba advocatícia.   

2.1 Alterações trazidas pelo novo Código

Como salientado no tópico precedente, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe relevantes alterações, visando, sobretudo, garantir às partes maior previsibilidade, estabilidade, igualdade e segurança jurídica. A busca pela singularização e qualificação das decisões judiciais, a redução dos litígios e a celeridade processual também deram causa às mudanças trazidas pelo novo Código.

Foi exatamente a busca pela maior segurança jurídica e pela redução de medidas judiciais protelatórias que ensejou algumas das alterações na definição dos honorários de sucumbência pelo CPC/2015. Sobre o tema, Marcelo Barbi Gonçalves[15] assim dispõe:

E, deveras, outra solução não é possível em um código que busca, incessantemente, evitar as decisões-surpresa. Como é cediço, a decisão de terza via, incompatível com o modelo processual comparticipativo preconizado pelo novo código, é aquela que, em desrespeito aos deveres de cooperação processual, surpreende as partes quanto a aspectos fáticos ou jurídicos da demanda. Ora, se assim o é, o que dizer de uma ação que frustra a legítima expectativa de despesa decorrente da improcedência do pedido? Essa culpabilidade também não está coberta pelo modelo cooperativo de processo?

De fato, o custo ex ante de se utilizar um método de resolução de conflitos é um primado ínsito a um bom sistema jurisdicional, de forma que apenas em sociedades de subterrâneo capital institucional os cidadãos socorrem-se do aparelho estatal para compor litígios sem poder antever as consequências possíveis de seu comportamento.

Em palavras outras, o prêmio de risco de um litígio judicial deve, em um sistema constitucional que abraça o princípio da segurança jurídica, assim como em uma modelo processual que resguarda as partes de decisões-surpresa, ser um dado prévio à propositura da ação, de modo que o jurisdicionado não seja surpreendido com uma despesa-supressa que não podia antever quando calculou o custo envolvido.

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, foi restringida a possibilidade de se adotar o critério da equidade na fixação dos honorários de sucumbência, especialmente no que diz respeito às causas que envolvem a Fazenda Pública, o que traz às partes, certamente, maior segurança jurídica. Como restou demonstrado no tópico precedente, com a alteração, o julgador fica adstrito a decidir os valores sucumbenciais dentro dos limites previstos na Lei, podendo usar da equidade apenas nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, desautorizada a interpretação extensiva nessa matéria.

Ao assim determinar, o CPC/2015 trouxe maior previsibilidade para as partes no que diz respeito ao valor dos honorários de sucumbência que poderão vir a arcar, caso saiam vencidas nas demandas, haja vista que os novos critérios para fixação da referida verba são consideravelmente mais objetivos e a possibilidade de fixação de valores fora desses critérios foi reduzida de forma substancial.

A regra atual de sucumbência também serve como instrumento de racionalização da prestação jurisdicional, num cenário de enorme crescimento do número de demandas judiciais.

Luciano Benetti Timm afirma, em parecer elaborado a pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que os honorários sucumbenciais possuem uma função sistêmica na prestação jurisdicional que supera seu mero impacto monetário às partes envolvidas nos litígios. Segundo o professor, “a função sistêmica dos honorários sucumbenciais extrapola a mera remuneração dos advogados vencedores de litígios – antes, eles operam como ‘majorador’ do risco (e do custo mesmo) associado à litigância, criando incentivos adicionais contra a litigância predatória ou frívola”.            Nesse aspecto, caso o risco de sucumbência seja elevado, os honorários de sucumbência acabam operando como um potencializador do risco sucumbencial/financeiro: afinal, por disposição expressa do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, os honorários de sucumbência são calculados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% do proveito econômico obtido pela parte vencedora, ou valor atualizado da causa.

Luciano Benetti afirma, por fim, que se o sistema brasileiro não possuísse o instituto dos honorários sucumbenciais, ou o tivesse de forma mitigada (fora da baliza estabelecida pelo CPC/2015), veríamos, seguramente, uma tendência de aumento nos litígios de natureza frívola ou predatória. Nesse caso, perderíamos forte mecanismo contra a excessiva judicialização de demandas que já assola o sistema jurisdicional brasileiro, que voltaria a se acentuar.

Além das questões acima delineadas, o reconhecimento do trabalho do advogado também foi outro ponto que fundamentou algumas das alterações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015. Como também já dito no tópico precedente, o artigo 85, § 14º passou a prever, expressamente, que “os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.

O motivo dessa alteração é um tanto quanto óbvio. Os honorários de sucumbência pertencem ao advogado e não à parte, de modo que a sucumbência recíproca não pode retirar dele o direito de receber os seus honorários, sob pena de transferência de responsabilidade pessoal ao advogado pelo ônus do vencido na causa, o que emerge como injusta supressão de direitos.

Ademais, como também ressaltado no tópico anterior, os honorários de sucumbência possuem os mesmos efeitos que o salário previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas, de modo que não é justificável o não pagamento da referida verba, só porque ambas partes saíram igualmente vencedoras na ação.

Assim, a busca pela maior previsibilidade de custos das demandas, a redução do número de ações e desdobramentos recursais e o reconhecimento da relevância da remuneração dos advogados e do trabalho que prestam foram os fundamentos que levaram às importantes alterações trazidas pelo CPC/2015.

2.2 Honorários de sucumbência em causas que envolvem a Fazenda Pública

Sob a vigência do CPC de 1973, nos casos em que a Fazenda Pública era condenada a pagar os honorários sucumbenciais, os valores eram fixados por equidade, conforme entendimento subjetivo, particular de cada magistrado, apenas pelo fato de se tratar da Fazenda Pública. Em contrapartida, havendo êxito da Fazenda, o valor dos honorários em desfavor do administrado seguia a regra geral do então art. 20, que era de no mínimo 10% e, no máximo, 20% sobre o valor da condenação. 

Essa situação se alterou no CPC/2015, que trouxe regras objetivas a serem observadas em relação à fixação da verba honorária, por meio dos incríveis 20 parágrafos do art. 85 que regulamentam a matéria. Assim, atualmente, nos casos em que a Fazenda Pública for parte (vencedora ou vencida), o cálculo dos honorários deve respeitar o percentual de escalonamento estabelecido no §3º do art. 85 do CPC/15.

A ideia é evitar o subjetivismo, a desconsideração do trabalho do advogado m causas relevantes, com a fixação de honorários insignificantes, apenas e tão somente porque a parte contrária é a Fazenda Pública.

Com isso, fica clara a intenção do legislador em positivar a questão dos honorários de sucumbência envolvendo a Fazenda Pública por meio do §3º do artigo 85 do CPC, estabelecendo critérios objetivos para sua fixação.[16] Como se pode ver, o julgador tem a discricionariedade para fixar os honorários levando em consideração a complexidade da causa, o tempo de tramitação ou qualquer outro critério presente no § 2º do art. 85, desde que esteja dentro dos percentuais e da base de cálculo previamente definidos nos incisos do § 3º. Portanto, se o valor da causa for abaixo de dois mil salários mínimos, por exemplo, o julgador terá a obrigação de aplicar os incisos I e II do §3º do art. 85, observada cada faixa e a discricionariedade de estabelecer os percentuais definidos em cada uma delas, conforme a natureza da causa, sua complexidade e o zelo empregado pelo advogado na solução da demanda. 

É certo que tanto o §3º como o §4º, I do art. 85 estabelecem comandos cogentes ao magistrado, determinando a observância dos critérios, limites e percentuais definidos nos incisos do §3º, Relembre-se:

§3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais: (…)

§4º Em qualquer das hipóteses do §3º:

I – os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a sentença; (grifado)

Dessa forma, restou afastado pelo CPC o privilégio relativo à fixação dos honorários de sucumbência em que a Fazenda Pública é tratada em desigualdade com a outra parte litigante.

2.3 Limitação da possibilidade de fixação dos honorários de sucumbência por equidade e Temas 1.076 do STJ e 1.255 do STF

O art. 85, §8º do CPC/15 dispõe que “nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º”. São os chamados honorários de sucumbência por equidade.

A intenção do legislador ao incluir o art. 85, §8º e estabelecer os honorários de sucumbência fixados por equidade para toda e qualquer parte é a de garantir os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e boa-fé processual, a fim de remunerar adequadamente o trabalho do advogado mesmo nas causas que envolvem valores irrisórios ou em que o valor da causa seja baixo.

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são implícitos a todas as regras norteadoras do sistema jurídico brasileiro, inclusive do processo civil (art. 1º e 8º do CPC). Mesmo sendo de difícil definição, a proporcionalidade ou razoabilidade podem ser definidas como a adequação entre meios e fins, instrumento que impede o abuso do direito ou o seu mau uso, levando em consideração se determinado ato é adequado, necessário, razoável e proporcional. Lenza completa a definição:

o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; procede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.[17]

Já o princípio da boa-fé processual determina que todas as partes integrantes, desde o juiz até os assistentes, adotem um padrão ético, moral, respeitoso e leal, vedando, ainda, expressamente, a fraude processual. Acrescenta Theodoro Júnior:

O Estado e a sociedade, de maneira geral, apresentam-se profundamente empenhados em que o processo seja eficaz, reto, prestigiado, útil ao seu elevado desígnio.

Daí a preocupação das leis processuais em assentar os procedimentos sob os princípios da boa-fé e da lealdade das partes e do juiz.[18]

Não obstante, existe uma divergência doutrinária envolvendo a aplicação dos honorários por equidade constantes no CPC/15. Alguns doutrinadores defendem que a aplicação do § 8º (honorários por equidade) não deve se sobrepor aos §§ 2º e 3º (critérios objetivos)[19]. Isso quer dizer que o Poder Judiciário tem uma margem de discricionariedade, mas unicamente em casos nos quais o valor envolvido seja irrisório, ou seja baixo o valor dado à causa.

Em contrapartida, existem doutrinadores menos conservadores[20] que defendem a possibilidade de fixação dos honorários de sucumbência por equidade para evitar a fixação de honorários não só irrisórios, mas, também, demasiado expressivos, utilizando de uma interpretação extensiva do referido artigo.

Por conta da divergência quanto à aplicação dos honorários de sucumbência por equidade, em 2020 o Superior Tribunal de Justiça determinou a afetação do tema, para “definição do alcance da norma inserta no § 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil nas causas em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados” (Tema nº 1.076 dos Recursos Repetitivos).

O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o mencionado Tema nº 1.076, definiu a tese de que a fixação de honorários de sucumbência por equidade apenas é possível nos casos em que o proveito econômico obtido for inestimável ou irrisório, ou nos casos em que o valor da causa, da condenação ou do proveito econômico for muito baixo.

Assim, para os casos que envolvem valores exorbitantes, o STJ consolidou o entendimento de que é obrigatória a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC/15 – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.

Na prática, o Superior Tribunal de Justiça aplicou a interpretação literal do art. 85, §8º do CPC/15, que é claro no sentido de evitar uma remuneração irrisória, e não evitar uma remuneração exorbitante.

Todavia, em agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de questão constitucional e de repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 1.412.069 interposto pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) contra a tese estabelecida no Tema nº 1.076/STJ, reabrindo a discussão sobre a possibilidade de fixação de honorários de sucumbência por equidade em causas que envolvem valores exorbitantes, por meio do Tema nº 1.255/STF.

Para tanto, a PGFN argumentou que o Tema nº 1.076/STJ viola a isonomia formal e material entre as partes no processo, dentro da interpretação constitucional do direito processual civil, prevista pelo art. 1º do CPC, ao impor a interpretação literal de um de seus dispositivos (art. 85, §§ 2º e 8º) – retirando do julgador a possibilidade de aplicar, ao caso concreto, a razoabilidade e a proporcionalidade como meios de corrigir distorções da própria legislação.

Além disso, alega a PGFN que os honorários sucumbenciais calculados em valores exorbitantes fere a remuneração proporcional e justa do advogado, implicando ônus excessivo às Fazendas Públicas Municipais, Estaduais e Federal, dificultando, ou até impedindo, a consecução de suas finalidades.

A então presidente do STF, Ministra Rosa Weber, ao fazer o juízo de admissibilidade inicial do Recurso Extraordinário interposto pela PGFN no caso em tela, afirmou que para aferir a ocorrência de eventual afronta aos preceitos constitucionais invocados no apelo extremo seria indispensável a análise das circunstâncias concretas e particulares do caso vertente, razão pela qual a sua admissão encontra óbice da Súmula 279/STF, que assim dispõe: “para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

Ainda, afirmou a Ministra Rosa Weber que a questão submetida ao Supremo Tribunal Federal, sobre a possibilidade de fixação dos honorários de sucumbência por avaliação equitativa para valores exorbitantes, além de não possuir a necessária repercussão geral, também não traz questões constitucionais passíveis de análise por meio do Recurso Extraordinário. Portanto, apresentou o voto no sentido de não conhecer o Recurso Extraordinário interposto pela PGFN, propondo a seguinte tese:

É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, controvérsia acerca da fixação de honorários advocatícios por avaliação equitativa, segundo interpretação do art. 85 do Código de Processo Civil.

Ocorre que o Ministro Alexandre de Moraes apresentou voto que foi acompanhado pela maioria do plenário, para reconhecer a existência de questão constitucional e de repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 1.412.069 interposto pela PGFN contra a tese estabelecida no Tema nº 1.076/STJ, reabrindo a discussão sobre a possibilidade de fixação de honorários de sucumbência por equidade em causas que envolvem valores exorbitantes. Para tanto, consignou em seu voto que, ao proibir a apreciação equitativa dos honorários de sucumbência para os casos envolvendo valores exorbitantes pelo Poder Judiciário, o Tema nº 1.076/STJ acabou por violar os princípios constitucionais da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição Federal), devido processo legal (art. 5º, XXXIV, da CF) e aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Veja-se:

Ao proibir a aplicação da equidade (§ 8º, do art. 85, do CPC/15) em toda e qualquer hipótese, quando os valores da condenação, da causa ou do proveito econômico forem elevados, a tese fixada pela Corte Especial do STJ retira do Poder Julgador a possibilidade de aferição, no caso concreto, de manifesta desproporcionalidade, e de conferir, assim, uma interpretação da norma adequada aos parâmetros constitucionais de proteção ao interesse público. Nesse ponto, é importante destacar que não se desconhece que essa Suprema Corte já reputou plenamente constitucional vedação processual absoluta, porém, mesmo nessas situações tidas por excepcionais, socorreu-se da observância da proporcionalidade e razoabilidade para aquilatar, sob o viés da proibição do excesso estatal, se a radical opção normativa encontrava motivos para tanto, no caso ora analisado, finalidade expressa de proteção de grupo em condições de extrema vulnerabilidade.

No entanto, há três pontos que impedem, pelo menos em tese, o julgamento do Tema nº 1.255/STF. O primeiro deles diz respeito à inexistência de questão constitucional no debate sobre a aplicação dos honorários de sucumbência positivado no art. 85, §8º do CPC/15. Isso porque, a suposta violação aos princípios da isonomia, devido processo legal, proporcionalidade e razoabilidade invocados no voto do Ministro Alexandre de Morais, se tratam de violação reflexa à Constituição Federal, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça, portanto, decidir a controvérsia (o que já foi feito, por meio do Tema nº 1.076/STJ).

O segundo ponto se refere à fundamentação apresentada pela PGFN, que demonstra nítida intenção de que se apliquem os honorários de sucumbência por equidade apenas nos casos em que a Fazenda Pública for parte vencida, fato que viola o princípio constitucional da isonomia. Veja-se o trecho do voto do Ministro Alexandre de Morais:

Em suma, discute-se no presente Recurso Extraordinário se a fixação de honorários advocatícios contra a Fazenda Pública deve sempre e necessariamente ter por critérios os previstos nos §§ 3º a 6º do art. 85 do CPC – ou se, em determinados casos, cabe a aplicação do § 8º do referido dispositivo legal. 

Em outras palavras, a Fazenda Pública pretende fazer letra morta o atual Código de Processo Civil para aplicar “subsidiariamente” o extinto Código de Processo Civil de 1973, revivendo a seguinte dinâmica: Quando a Fazenda Pública for parte vencedora do processo, aplica-se o percentual estabelecido no art. 85, §3º do CPC, independentemente se resultar em valor exorbitante. Todavia, quando a Fazenda Pública for parte vencida, deve-se reduzir a condenação em honorários de sucumbência, definindo-se a verba por equidade.

Há que se destacar, nesse sentido, que o legislador teve nítida intenção, com as alterações trazidas pelo CPC/15, de igualar ou ao menos reduzir as desigualdades entre o ente privado e o público no que concerne aos honorários de sucumbência, ao não recepcionar o já mencionado art. 20, §4º do CPC/73[21].

Não fosse suficiente, o legislador tomou o cuidado de aplicar diferentes percentuais entre o ente privado (art. 85, §2º do CPC/15) e a Fazenda Pública (art. 85, §3º do CPC/15). Nos casos em que a Fazenda Pública não for parte, os honorários de sucumbência devem ser fixados entre os percentuais de 10% a 20% (art. 85, §2º do CPC/15). Todavia, para atender ao interesse público, nos casos em que a Fazenda Pública é parte vencida, quanto maior for o proveito econômico ou valor da causa, menor será o percentual a ser fixado (art. 85, §3º do CPC/15), podendo a chegar a um percentual de 1%.

Desse modo, em atenção à supremacia do interesse público, o CPC/15 já estabeleceu percentuais menores se comparados aos do ente privado, de modo que reduzi-los ainda mais por meio de uma interpretação extensiva do conceito de fixação equitativa dos honorários evidentemente viola o princípio da isonomia.   

Por fim, é necessário destacar a impossibilidade de se aplicar uma interpretação extensiva ao art. 85, §8º do CPC/15, uma vez que o referido dispositivo é claro em dispor que os honorários de sucumbência só podem ser fixados por equidade em caso de valor irrisório. Sobre a impossibilidade de alteração da legislação por mera decisão judicial, Rogério Licastro Torres de Mello destacou o seguinte:

A fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais por equidade, id est, sem serem observados os patamares de 10% a 20% da expressão econômica da causa, é, em nosso pensar, residual, é excepcional, é subsidiária, no sentido de ser aplicável se, e somente se, “for inestimável” (no sentido de não se poder estimar) ou ”irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo”, ocasião em que “o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º”. [..]

Pode-se discordar da opção legislativa. Pode-se até mesmo discordar da destinação dos honorários advocatícios sucumbenciais ao advogado, e não à parte. Em um regime de estado democrático de direito com tripartição de poderes, contudo, tais discordâncias devem ser conduzidas de modo a produzirem alteração legislativa, e não devem ser veiculadas animando-se desvirtuamento decisório de lei clara, expressa e democraticamente constituída. [22]

Corroborando o exposto, em julgamento relativo ao juízo de garantias ocorrida em 23 de agosto de 2023 (ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305), em que se questionam as regras previstas na Lei nº 13.964/2019, o Ministro Barroso afirmou que “bom ou ruim, gostando ou não gostando, essa foi uma decisão legítima do Poder Legislativo, de modo que não havendo incompatibilidade com a Constituição, nosso papel é acatar a vontade manifestada pelo legislador [..] Portanto, nosso papel se transfere para como implementar essa medida”, ponderou.”

Dessa forma, o próprio Supremo Tribunal Federal já rechaçou a interpretação extensiva no caso da Lei nº 13.964/2019, de modo que o referido entendimento também deve ser aplicado ao art. 85, §8º do CPC/15, mantendo a intenção do legislador em equiparar ou ao menos reduzir as desigualdades, em relação aos honorários de sucumbência devidos ao ente privado e ao público.

CONCLUSÃO

A regulamentação dos honorários advocatícios, especialmente os honorários de sucumbência, passaram por grandes e importantes modificações legislativas e jurisprudenciais, sobretudo com o advento do Código de Processo Civil de 2015.

Destacam-se, dentre essas modificações, (i) a definição acerca da titularidade dos honorários de sucumbência, (ii) a equiparação da Fazenda Pública com as pessoas de direito privado para fins de mensuração dos honorários (ainda que observados os critérios do art. 85, §3º do CPC), (iii) a consolidação do princípio da causalidade e (iv) a melhor definição acerca das bases de cálculo para os honorários, o que foi chancelado pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Tema 1.076.

A manutenção desses avanços, notarialmente em relação à vedação à estipulação dos honorários por equidade quando existentes as bases de cálculo previstas no art. 85, §2º do CPC, passará pelo julgamento do Tema 1.255 pelo Supremo Tribunal Federal, cabendo registrar que a definição de tese que permita a fixação por equidade implicará o retorno ao status regulado pelo CPC de 1973, significando, portanto, um retrocesso.


[1] Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUG-MG).

[2] Pós-Graduado em Direito Processual e graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

[3] MBA Executivo em Direito: Gestão e Business Law pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUG-MG).

[4] A Ordem dos Advogados do Brasil disponibiliza uma tabela que estipula o mínimo dos honorários a serem cobrados. 

[5] NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. p. 22.

[6] NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. p. 22.

[7] CAHALI, Yussef Said. Honorários advocatícios. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 175.

[8] NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. p. 25.

[9] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 55. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 124.

[10] MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Honorários advocatícios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022.

[11] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Recurso Extraordinário 470.407/DF. Relator: Min. Marco Aurélio, 9 maio 2006. Diário de Justiça, Brasília, DF, 19 maio 2006.

[12] MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Honorários advocatícios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022. p. 42.

[13] “Art. 85, § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento”.

[14] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (1. Seção). Recurso Especial 1.155.125/MG. Relator: Min. Castro Meira, 10 mar. 2010. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200901689781&dt_publicacao=06/04/2010. Acesso em: 8 nov. 2023.

[15] GONÇALVES, Marcelo Barbi. Honorários advocatícios e Direito Intertemporal. JOTA, 4 mar. 2016. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/honorarios-advocaticios-e-direito-intertemporal-03032016. Acesso em: 8 nov. 2023.

[16] Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado vencedor.

(…)

§3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:

I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;

II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;

III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;

IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;

V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

[17] LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 174.

[18] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 55. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v. 1, p. 41.

[19] MENDONÇA, Cristiane. Honorários advocatícios de sucumbência nas ações tributárias e o § 8° do art. 85 do CPC. Revista de Direito Tributário Contemporâneo, v. 4, n. 17, p. 17–40, mar./abr., 2019.

[20] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In: MARCATO, Antônio Carlos. (Coord.). Código de Processo Civil Interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 76

[21] § 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.

[22] MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Honorários advocatícios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022. p. 4 e 6.