No dia 07 de outubro, foi publicado o Convênio ICMS nº 109/2024, alterando as regras introduzidas pelo Convênio ICMS nº 178/2023 com o objetivo de disciplinar o tratamento tributário das transferências interestaduais de mercadorias do mesmo contribuinte, após o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49 e da Lei Complementar (LC) nº204/2023.
Ao julgar a ação, em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a inconstitucionalidade dos dispositivos da LC nº 87/1996 que classificavam as transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular como operações sujeitas à incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Intermunicipal, Interestadual e de Comunicação (ICMS), sob o argumento de que somente as saídas com modificação da titularidade das mercadorias remetidas é que constituem fato gerador do imposto.
Contudo, foi somente em 2023 que o Supremo julgou os Embargos de Declaração opostos pelo estado do Rio Grande do Norte, nos autos da ADC nº 49, e definiu pela modulação dos efeitos da decisão, restringindo-os aos fatos geradores ocorridos a partir de 01 de janeiro de 2024, exceto em relação aos contribuintes que já possuíam ações judiciais ou processos administrativos iniciados até a data de publicação da ata do julgamento de mérito, para os quais foi assegurado o direito à repetição do indébito em relação aos fatos geradores passados.
Na acepção do Tribunal, os créditos registrados pelo estabelecimento remetente na entrada das mercadorias transferidas, além de mantidos na sua escrita fiscal, poderiam ser transferidos para utilização pelo estabelecimento destinatário. Caberia aos estados, portanto, a atribuição de disciplinar os procedimentos para viabilizar a transferência dos créditos de ICMS nessas transações, o que deveria ser feito, de acordo com o STF, até 01 de janeiro de 2024.
Em cumprimento à essa determinação, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) publicou, em dezembro de 2023, o Convênio ICMS nº 178 com o objetivo de disciplinar o procedimento que deveria ser adotado pelos contribuintes nas remessas interestaduais de mercadorias entre seus estabelecimentos. O curioso é que, ao fazê-lo, o Convênio ICMS 178/2023 classificou a transferência dos créditos como uma obrigação do estabelecimento de origem, apesar da manifestação do STF de que essa transferência, nesse caso, seria um direito do contribuinte.
Logo após a publicação da regulamentação elaborada pelo Confaz, foi publicada a Lei Complementar nº 204/23 que, por sua vez, alterou a LC nº 87/1996 para positivar a não incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte, assim como assegurar o direito do estabelecimento remetente à manutenção e à transferência do crédito relativo às operações e prestações anteriores para o estabelecimento destinatário.
Alternativamente, a LC nº 204/2023 também permitia que o contribuinte optasse pela equiparação dessas saídas a operações de circulação de mercadorias, hipótese em que o estabelecimento remetente deveria apurar os débitos de ICMS incidentes sobre as transferências segundo as mesmas regras aplicáveis às demais operações com mercadorias. Essa faculdade, contudo, foi inicialmente vetada pela Presidência da República, sob o argumento de que a proposição fomentaria insegurança jurídica.
Em maio de 2024, contudo, o Congresso Nacional derrubou esse veto presidencial, o que permitiu a incorporação do tratamento alternativo das transferências como operações tributadas à Lei Kandir a partir da republicação das partes vetadas da LC nº 204/2023. Diante disso, coube ao Confaz regulamentar a matéria através da publicação do Convênio ICMS nº 109 de 03 de outubro de 2024.
O Convênio recém-publicado, que entrará em vigor a partir do próximo dia 01 de novembro, revoga o Convênio ICMS nº 178/2023 e inova em relação a este último por conferir maior flexibilidade ao tratamento fiscal das transferências interestaduais de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, sobretudo no que diz respeito aos créditos escriturados pelo estabelecimento de origem.
De fato, o novo regramento é condizente com o tratamento normativo conferido à matéria pela LC nº 204/2023 e com a decisão do STF no contexto da ADC nº 49, seja porque concebe a transferência dos créditos de ICMS pertinentes às operações e prestações anteriores como um direito do contribuinte, seja porque garante a observância à regra da não cumulatividade prevista na Constituição Federal. Com efeito, aqueles que optarem pela transferência dos créditos do imposto deverão consignar, à cada transferência de mercadorias, o valor dos respectivos créditos fiscais conferidos ao estabelecimento destinatário na Nota Fiscal que acobertar o trânsito das respectivas mercadorias, além de lançar o montante correspondente a débito na sua escrita fiscal, especificamente no Livro Registro de Saídas.
De acordo com o Convênio, os créditos passíveis de transferência entre os estabelecimentos do contribuinte serão determinados, à cada operação, com base na aplicação das alíquotas interestaduais previstas no art. 155, §2º, IV da CF/88 sobre o “valor médio” de entrada da mercadoria transferida em estoque, sobre a soma do “custo da matéria-prima, insumo, material secundário e de acondicionamento”, no caso das mercadorias industrializadas, ou sobre o valor total dos gastos com insumos e com materiais de acondicionamento, no caso de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de produção. Em qualquer caso, a base utilizada para o cálculo do crédito transferido deverá, ainda, ser acrescida dos percentuais correspondentes às alíquotas do imposto previsto para as operações interestaduais, de forma similar à sistemática do cálculo “por dentro” utilizado na determinação dos débitos de ICMS a cargo do sujeito passivo.
Alternativamente à transferência dos créditos, o Convênio ICMS nº 109/2024 permite que o contribuinte opte pela equiparação das transferências a operações sujeitas à ocorrência do fato gerador do ICMS, hipótese em que as primeiras deverão ser tributadas segundo o mesmo regime aplicável às demais operações de circulação de mercadorias realizadas pelo estabelecimento. Uma vez exercida, essa opção deverá ser informada pelo contribuinte no Livro de Registro de Utilização de Documentos e Termos de Ocorrências (RUDFTO) de todos os seus estabelecimentos localizados no território nacional, de modo que os seus efeitos serão vinculantes em relação ao sujeito passivo por todo o ano-calendário em função da sua irretratabilidade.
O ICMS devido nessas hipóteses, de acordo com o regramento, será apurado de forma similar à sistemática utilizada para determinação dos créditos suscetíveis de transferência nessas hipóteses, ou seja, aplicando-se as alíquotas interestaduais previstas no art. 155, §2º, IV da CF/88 deverão ser aplicadas sobre a base de cálculo definida na Cláusula Sexta do Convênio ICMS nº 109/2024. Nesse caso, contudo, a norma especifica que a base de cálculo que deve ser considerada no cálculo do imposto incidente na transferência será equivalente ao valor da entrada mais recente da mercadoria, à soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão de obra e acondicionamento, no caso das mercadorias industrializadas, ou à soma dos gastos com insumos, mão de obra e acondicionamento, no caso de mercadorias não industrializadas – acrescida, em qualquer hipótese, do montante do próprio imposto.
Num ou noutro caso, o remetente deverá destacar o imposto apurado na Nota Fiscal emitida para acobertar o trânsito das mercadorias transferidas, além de constar a expressão “transferência de mercadoria equiparada a uma operação tributada, nos termos do § 5º do art. 12 da Lei Complementar nº 87/96 e da cláusula quinta do Convênio ICMS nº 109/24” no campo Informações Complementares do respectivo documento fiscal. Por fim, a norma esclarece que a opção pela aplicação dessa sistemática, em que as transferências se equiparam a fatos geradores do imposto, não implica no cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos ao contribuinte pela unidade federada de origem, tampouco pela de destino.
Para este ano, o Convênio esclarece que a opção pela aplicação desse tratamento alternativo poderá ser exercida até o dia 30 de novembro, hipótese em que os seus efeitos retroagirão aos fatos geradores ocorridos a partir do primeiro dia do mesmo mês. Nos demais exercícios, essa opção deverá ser exercida até o último dia de dezembro, passando a vigorar a partir de janeiro do ano subsequente, sendo a sua renovação automática até o momento em que o contribuinte se manifeste de forma contrária, observando-se, nesse caso, o mesmo prazo previsto para optar pela aplicação da referida sistemática.
O Convênio, em vigor desde a sua publicação no Diário Oficial, passará a surtir efeitos a partir do próximo dia 1º de novembro. Diante disso e dos eventuais impactos que o novo tratamento conferido às transferências interestaduais podem surtir em relação à dinâmica de cada sujeito passivo, cabe aos contribuintes avaliar e compreender de forma minuciosa as novas regras a fim de determinar o tratamento tributário mais adequado para as especificidades que permeiam a sua realidade, bem como para formalizar, se for o caso, a sua opção pela aplicação do regime alternativo introduzido pela norma até o dia 30 de novembro.
A equipe da área de Tributário do Rolim Goulart Cardoso encontra-se à disposição para mais esclarecimentos.