Como resultado da Consulta Pública (CP) nº 003/2024, foi publicada no Diário Oficial da União, em 31 de julho, a Resolução Normativa (REN) nº 1.098/2024 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que altera a REN nº 1.000/2021 (Regras de Prestação do Serviço Público de Distribuição).
A alteração visou, além de regulamentar o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e a comercialização excepcional de excedente de energia oriunda de micro e minigeração distribuída (MMGD), introduzir novas regras atinentes à inversão de fluxo de potência por MMGD.
As discussões em torno da inversão de fluxo demandaram avaliações aprofundadas. Afinal, mais recentemente, o número de demandas apresentadas na Aneel contra distribuidoras dentro desse tema aumentou exponencialmente. As entidades representativas e os usuários com MMGD vinham argumentando que por parte das distribuidoras as avaliações não eram técnicas, conquanto não fossem transparentes com relação aos critérios utilizados e cálculos aferidos.
Defenderam também que não seria toda inversão de fluxo que daria motivo à negativa, mas somente aquela que afetasse a qualidade do serviço — nessa defesa, a REN nº 1.000/2021 deveria ser conciliada com as Regras e Procedimentos de Distribuição (Prodist). Em vista desses argumentos, consideraram que todos os projetos de até 50kW deveriam ser autorizados, o que seria especialmente proveitoso das unidades do PMCMV com MMGD.
A Associação Brasileira dos Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee) defendeu a necessidade de um prazo adicional para adoção das regras.
Em sede das discussões das três sessões de Reunião Pública Ordinária (RPO) da Diretoria Colegiada da Aneel, em que foi pautado, foi discutida a possibilidade de ser deliberada a CP com relação ao PMCMV, deixando-se o assunto da inversão de fluxo para um segundo momento. Ao final, contudo, a Diretoria avaliou que seria ineficaz proceder dessa forma, já que na prática os empreendimentos de PMCMV potencialmente esbarrariam na mesma restrição que alegadamente afeta aos demais usuários com MMGD, em matéria de inversão de fluxo.
A partir das mudanças normativas, no curso do processo de conexão de MMGD, caso a nova conexão ou o aumento da potência injetada pela MMGD acarrete inversão de fluxo de potência no posto de transformação ou no disjuntor do alimentador, a distribuidora deverá realizar estudo de inversão de fluxo, a ser integrado ao orçamento de conexão, a fim de identificar as alternativas que eliminem a inversão do fluxo (art. 73, § 1º, da REN nº 1.000/2021). Nessa linha, foi introduzido um novo parágrafo para prever que o estudo será no transformador da subestação, para conexão do Grupo A via alimentador exclusivo, e no nível de tensão superior, para conexão do Grupo B via transformador exclusivo (art. 73, § 6º, da REN nº 1.000/2021).
Nesse contexto, uma notável inovação foi a publicação pela Aneel, mediante Despacho nº 2.216/2024, do Manual de Instruções para elaboração e apresentação do estudo de inversão de fluxo, que passa a integrar a REN nº 1.000/2021 e visa padronizar o procedimento de análise da inversão de fluxo entre todas as distribuidoras. Caracterizado o descumprimento do Manual, a distribuidora ficará sujeita às penalidades dispostas na REN nº 846/2019.
Em síntese, o estudo deverá detalhar as informações a seguir:
- identificação do consumidor e da MMGD;
- dados técnicos do empreendimento de MMGD, incluindo tipo de fonte primária, potência instalada e modalidade de compensação de excedentes;
- demonstração da inversão de fluxo pela conexão da MMGD na capacidade nominal solicitada;
- análise das alternativas para eliminação da inversão de fluxo:
- reconfiguração dos circuitos e remanejamento da carga (alternativa A);
- atendimento por outro circuito elétrico (alternativa B);
- conexão em outro nível de tensão (alternativa C);
- redução da potência injetável de forma permanente (alternativa D); ou
- redução da potência injetável em dias e horários pré-estabelecidos ou de forma dinâmica (alternativa E);
- resumo da análise de viabilidade para seleção do consumidor, indicando a alternativa considerada de mínimo custo global;
- orientações para continuidade do processo de conexão e prazo para aprovação do orçamento de conexão pelo consumidor;
- dados e ferramentas utilizados no estudo;
- canais de atendimento para dúvidas e reclamações; e
- identificação dos responsáveis pelo estudo.
Adicionalmente, foi criado um novo artigo que define as hipóteses de dispensa do estudo de inversão de fluxo: (i) MMGD que não injete energia na rede de distribuição (grid zero), (ii) micro GD enquadrada nos critérios regulatórios de gratuidade e com potência compatível com o consumo durante a geração, calculada segundo a nova equação constante da norma, e (iii) micro GD local e com potência instalada de até 7,5 kW (fast track) (art. 73-A, I a III, e § 1º, da REN nº 1.000/2021).
De forma específica, quanto à terceira hipótese, foram instituídas as seguintes condições ao consumidor, objeto do Termo de Aceite aprovado pela Resolução Homologatória (REH) nº 3.354/2024 da Aneel: (i) enquadramento na modalidade autoconsumo local — MMGD junto à carga e com compensação de energia pela mesma unidade consumidora, (ii) vedação à alocação de excedente ou crédito de energia em unidade consumidora distinta da geração, e (iii) para alteração do enquadramento da modalidade da micro GD, deverá ser realizada nova solicitação de orçamento de conexão (arts. 2º, I-B; 73-A, §§ 2º e 6º; e 138, § 1º, VI da REN nº 1.000/2021).
Para fins ilustrativos, reproduz-se abaixo o fluxograma do procedimento de análise da inversão de fluxo, constante do Manual de Instruções da Aneel:
Ainda, enquanto o orçamento de conexão estiver válido, o consumidor poderá protocolar reclamação acerca do estudo de inversão de fluxo, o que implicará na suspensão do prazo de validade do orçamento até a resposta da distribuidora. Por sua vez, a distribuidora deverá responder a reclamação entre 5 a 10 dias úteis ou até 10 dias úteis no âmbito da Ouvidoria e, caso a reclamação seja procedente, deverá ajustar o orçamento de conexão ou substituir/complementar o estudo contestado (art. 83, §§ 11, ‘b’; 12; e 13 da REN nº 1.000/2021).
Por fim, não obstante haver período de transição para adequação das normas internas das distribuidoras — em relação aos arts. 73; 73-A, I e II; e 83, em até 60 dias contados da publicação da REN, e ao art. 73-A, III, a partir da publicação da nova REN —, esta determinou as condições para enquadramento no art. 73-A já aplicáveis às novas solicitações, aos orçamentos de conexão não emitidos pela distribuidora e aos orçamentos de conexão ainda não aprovados pelo consumidor (art. 7º, §§ 3º ao 7º, da REN nº 1.098/2024).
Para informações acerca da abertura da CP nº 003/2024, acesse o nosso informe.
A equipe de Energia do Rolim Goulart Cardoso seguirá acompanhando as novidades da regulamentação do setor elétrico brasileiro e fica à disposição para quaisquer solicitações.