No fim de outubro a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) publicou a Consulta Pública (CP) nº 53/2024, com o objetivo de discutir alterações ao Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas (Rasa), aprovado pela Resolução nº 589/2012, com prazo para contribuições até 9 de dezembro.
Este projeto de revisão consta na Agenda Regulatória 2023-2024 da Agência, já passou por uma Tomada de Subsídio (TS nº 21/2023) e uma Consulta Interna (CI nº 39/2023) que subsidiaram a elaboração da Análise de Impacto Regulatório (AIR) que culminou nas seguintes propostas de alteração:
1. Sanção de obrigação de fazer e de não fazer (ODF e ODNF): Grande parte das alterações estão sendo propostas com vistas a incentivar o acolhimento dessa modalidade de sanção e dar mais segurança no procedimento para acompanhamento e verificação do cumprimento dela. Em resumo:
- Fator de redução por não litigância: A proposta visa garantir uma assimetria de incentivos na concessão do fator de redução por não litigância também na hipótese de a operadora aceitar a obrigação de fazer em primeira instância, renunciando ao direito de recorrer e se comprometendo expressamente a cumprir com a sanção no prazo definido na decisão que a aplicou, quando será garantida uma redução equivalente a 30% no valor correspondente à sanção de obrigação de fazer ou de não fazer. Adicionalmente, para compromissos assumidos em segunda instância, a redução da pena será de 5% no valor correspondente à sanção aplicada.
- Procedimento para acompanhamento e verificação das obrigações de fazer: A proposta incluiu o Capítulo XVII-A ao Rasa, passando a conter regras para o acompanhamento, caracterização e consequências do descumprimento dessas obrigações, estabelecendo que a prestadora deverá comprovar o cumprimento da obrigação, sem prejuízo da Agência solicitar outros documentos comprobatórios. A proposta também prevê que, em caso de descumprimento da ODF e ODNF, quando da substituição ou em caso de conversão da sanção de multa, o valor equivalente à parte descumprida será corrigido a contar da data da intimação da primeira decisão que aplicou a sanção, segundo a Taxa Selic ou outro índice que vier a substituí-la. Todavia, poderá haver alguma discussão na operacionalização de eventual sanção de multa diante do descumprimento, no tocante à proporcionalidade do valor, já que não há previsão para que o ato de aplicação de decisão sempre preveja o valor equivalente a cada parte da obrigação, ante a redação “quando for o caso” e considerando que a Agência entende que não há, necessariamente, que se estabelecer uma correspondência financeira, pois a natureza desta modalidade de sanção não deve ser confundida com a de pagamento de multa, pois poderá ser autônoma (de forma direta) ou como alternativa à sanção de multa (substituição).
- Procedimento para ateste das obrigações e exclusão do sistema gestão de créditos: O regulamento passa a prever que a Superintendência competente para aplicar sanções administrativas deverá atestar o cumprimento da ODF ou ODNF e que a sanção somente será excluída dos sistemas de gestão de créditos da Anatel após o atesto do “integral” cumprimento da obrigação imposta. Contudo, a proposta não é clara em que momento ocorrerá o ateste; se será parcial, e o que será feito com a parcela não adimplida, em caso de descumprimento. Dessa forma, há dúvidas se a exclusão dependeria do cumprimento integral da obrigação imposta ou se o sistema de gestão de créditos registrará apenas a multa em caso de descumprimento.
- Aprimoramento das obrigações de fazer e Conectividade universal e significativa: A proposta sugere permitir a conversão de multas em obrigações de fazer que atendam a metas de sustentabilidade (ESG) e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, inclui a criação de um Plano de Conectividade Significativa e Sustentabilidade Socioambiental (PCS) para priorizar ações de impacto social e ambiental no setor, alinhadas ao Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT).
Ao alterar o artigo que trata da obrigação de fazer e de não fazer para tratar dos projetos que devem ser priorizados, a Agência aproveita para dar contornos ao conceito de conectividade universal e significativa, como aquele que abrange as seguintes métricas ou eixos habilitadores: I – o aumento da capacidade ou ampliação de infraestrutura; II – o acesso dos consumidores a serviços de telecomunicações e equipamentos adequados e com tarifas e preços razoáveis; III – o incremento das habilidades digitais da população; e, IV – a segurança cibernética, a proteção de infraestruturas críticas de telecomunicações e a segurança dos usuários durante o uso dos serviços.
A conselheira relatora da matéria esclareceu que a inserção desses eixos possibilitará “por exemplo, substituirmos multas por obrigações de fazer orientadas ao fomento e à implantação de infraestrutura, aos serviços, aos sistemas e às aplicações baseados em TIC, necessários para o acesso às redes de telecomunicações pela população, especialmente a residente em áreas remotas ou em situação de vulnerabilidade social, objeto do art. 5º, I, do Decreto nº 9.612/2018”. A alteração pode vir a beneficiar outros agentes regulados que não as prestadoras de telecomunicações, uma vez que retira a vinculação da ODF e ODNF à melhoria dos serviços de telecomunicações.
2. Renúncia tácita ao direito de recorrer: A proposta mantém a possibilidade de renúncia tácita ao direito de recorrer, considerada válida quando o infrator (i) paga a multa com o desconto previsto dentro do prazo estabelecido, que passa a ser não inferior a trinta dias, contados a partir do recebimento da intimação da decisão de aplicação de sanção e (ii) não interpõe recurso administrativo. Contudo, caso o infrator realize o pagamento com desconto e, ainda assim, apresente recurso dentro do prazo, será lançado crédito complementar referente ao desconto de 25%. Ademais, por ocasião da Avaliação de Resultado Regulatório (ARR) do Rasa, comentamos em Boletim, sobre a necessidade de a Anatel estabelecer a incidência do desconto também em caso de retratação, bem como diante da renúncia parcial, sendo a CP uma nova oportunidade para aprimoramento da regulamentação, em consonância com o objetivo de desincentivo a litigiosidade, custos com recursos e maiores benefícios à sociedade.
3. Receita Operacional Líquida (ROL): A proposta consolida entendimento do Conselho Diretor de que a ROL anual do infrator deve ser segmentada por setor, região ou abrangência da infração, de modo a calibrar melhor a penalidade conforme os princípios de proporcionalidade e razoabilidade. Além disso, foi proposto ajuste no anexo do regulamento para que, quando não for possível a identificação ou não seja aplicável os critérios definidos, a Agência possa adotar outros critérios, desde que acompanhados de fundamentação. Todavia, essa redação pode levar a interpretações dissonantes e excessivamente discricionárias pela Agência, o que a nosso ver contraria a necessidade de a Anatel atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas.
4. Inclusão de nova hipótese de classificação da natureza da infração como grave: Atualmente, para uma infração ser considerada grave deve trazer vantagem direta ao infrator, decorrer de má-fé, causar risco à vida ou óbice à atividade de fiscalização regulatória, atingir número significativo de usuários, decorrer do não atendimento a metas de ampliação ou universalização do acesso a serviço de telecomunicações ou do uso não autorizado de radiofrequências ou exploração de serviço de telecomunicações sem autorização da Anatel. Ou seja, são aquelas condutas tidas como de maior ofensividade e para as quais não pode ser aplicada sanção de advertência. A proposta sugere a inclusão de uma nova ocorrência, relacionada a “qualquer ação ou omissão de elevado grau de reprovabilidade, que já não estiver tipificada”. A alteração objetiva que a classificação possa ser aplicada de forma autônoma dos demais critérios, evitando-se o agravamento da pena em razão da incidência de mais de uma hipótese dentre as previstas. Contudo, apesar de procurar evitar o agravamento, trata-se de um critério subjetivo, dotado de elevada abstração e, da mesma forma como ocorreu com o conceito de número significativo de usuários, poderá ser objeto de debates.
Além disso, a Anatel poderia ter aproveitado a oportunidade para debater a necessidade de revisar o enquadramento automático da infração de “não atendimento de metas de ampliação ou universalização do acesso a serviços de telecomunicações” como de natureza grave, visto que nem toda conduta nesse contexto possui relevante ofensividade ou grau de reprovabilidade, o que garantiria a adequação da regulamentação ao contexto atual de universalização.
A consulta está aberta até 9 de dezembro, com a oportunidade para que o setor colabore com sugestões e contribua com pontos que ainda mereçam ser aperfeiçoados.
A equipe de Telecomunicações do Rolim Goulart Cardoso encontra-se à disposição para mais esclarecimentos e para auxiliá-los na discussão judicial do tema.
Baixe o informe completo aqui.