Iniciada no dia 5 de junho e com previsão de término a 15 do mesmo mês, a Conferência de Bonn, promovida pela UNFCCC sobre Alterações Climáticas (SB58), reuniu este ano, e pela primeira vez após a COP27, os principais representantes de 200 países.
A conferência sediada na Alemanha tem o objetivo de balancear o ponto de situação científico e evoluir as negociações nos temas que serão objeto de decisão na COP28, no Dubai, no final deste ano. Entre os assuntos discutidos e que agrupam posicionamentos relevantes e estratégicos para as alterações climáticas, destacam-se o global stocktake, as medidas de adaptação e de mitigação climáticas, além da regulamentação do fundo de “loss and damages”, que ficou conhecido como a decisão histórica mais relevante da COP27.
A cimeira em Bonn foi marcada logo no início pela discordância de uma agenda comum entre as partes para a COP28, o que não é o desejável – já que se esperava desta conferência um estabelecimento de prioridades em comum para evolução das negociações em Dubai – mas, tampouco é incomum ou imprevisível, considerando ser este um processo que envolve inúmeros atores, representantes e países, com preocupações e urgências naturalmente locais e diferentes.
Um dos aspetos centrais da não adoção de uma agenda refere-se a um ponto estratégico das medidas de mitigação: a política de “zero” combustíveis fósseis (phasing out fossil fuels) ou de uma abordagem centrada na redução gradual da utilização (phasing down fossil fuels) destes combustíveis de origem fóssil, mas reconhecendo uma parcela de participação destes combustíveis na economia, desde que associados ou integrados com tecnologias de captura e remoção de carbono (carbon and storage of carbon dioxide – CCS).
Desde a COP27 que os países da União Europeia demonstraram e insistiram na importância do compromisso com a redução de todos os combustíveis fósseis, mas países como Arábia Saudita e China não concordaram com a redação neste sentido do documento final da cimeira do Egito.
A divergência quanto a este ponto tem sido alvo de críticas e relativa preocupação considerando que (i) o relatório do IPCC (AR6) deste ano concluiu que as emissões de carbono relacionadas aos projetos existentes e previstos de combustíveis fosseis excedem o que é possível para acomodar o cenário de travar o aquecimento global em 1,5 graus Celsius, e (ii) a abordagem phase down pode comprometer o que o IPCC indica ser necessário em termos de transição energética pois, como efeito colateral, pode acabar por incentivar projetos de combustíveis fosseis, se estes não forem tratados com intenção de extinção.
Ainda em relação ao tema, no último dia 6 de junho, em Bonn, num painel da UNFCCC, a IEA – International Energy Agency fez uma apresentação intitulada “Energy sector pathways to 1.5 degrees goal” na qual destacou que o setor energético mundial ainda não está “on track” ou no rumo certo em relação ao que é exigido pelo Acordo de Paris e os objetivos para 2050, havendo ainda um grande gap entre as políticas atualmente adotadas pelos países, suas ambições declaradas e o que é efetivamente necessário de acordo com o que foi apurado cientificamente.
A IEA destacou que, não obstante o notório crescimento no investimento em energias renováveis e eficiência energética, as políticas adotadas em vigência ainda conduzem a um aquecimento de 2,5 graus até 2100, o que é muito acima dos objetivos do Acordo de Paris em matéria de temperatura. Além disso, o mencionado crescimento exponencial do investimento em renováveis tem sido concentrado em algumas regiões, o que faz com que a transição energética não aconteça de forma justa ou equitativa.
Com base nos dados apresentados, a agência internacional expressamente recomendou que os países, em geral, precisam de aumentar consideravelmente tanto a ambição quanto a implementação em termos de transição energética. Concluindo com as ações estratégicas recomendadas para travar o aquecimento global, a IEA apontou e insistiu que a descarbonização mais rápida da eletricidade é a ação crítica para alcançar o cenário net zero, mas as medidas para melhorar a produtividade energética e eletrificar o consumo de energia também dão contributos importantes.
Além da questão acerca do ritmo da transição energética e a abordagem acerca dos combustíveis fosseis, outro ponto essencial e que foi mencionado diversas vezes em Bonn, sobretudo pelos países ainda em desenvolvimento e de regiões como a África, foi o da transição energética justa, ou justiça energética.
Em relatório publicado também durante a conferência de Bonn, a 10 de junho, a IEA, em conjunto com outras instituições como a IRENA (International Renewable Energy Agency) e o World Bank, divulgaram um resumo global dos progressos registados em matéria de acesso à energia, eficiência energética, energias renováveis, e cooperação internacional para fazer avançar o ODS 7 [objetivo de desenvolvimento sustentável 7]das Nações Unidas.
No relatório, que pode ser consultado aqui, verifica-se que, apesar de alguns progressos em todos os indicadores apresentados, o ritmo atual não é adequado para alcançar nenhuma das metas para 2030. As taxas de progresso com relação ao ODS 7 e o acesso universal à energia limpa variam significativamente entre regiões, com algumas regiões a registar ganhos substanciais e outras a abrandar o seu progresso e demonstrar retrocesso.
Entre os principais fatores que podem estar relacionados como causas para o cenário constatado foram destacados as perspetivas macroeconómicas incertas, os elevados níveis de inflação, as flutuações cambiais, a falta de financiamento, o aumento dos preços dos materiais. Os efeitos económicos da pandemia de COVID-19 e o aumento constante dos preços da energia desde o verão de 2021 ainda estão apurados na totalidade e provavelmente também são entrave aos progressos, em especial nos países mais vulneráveis, ainda em desenvolvimento e que já estavam atrasados com relação às medidas de transição energética.
Relacionada com o tema está também a discussão da implementação do fundo conhecido como “Loss and damages”, decidido na COP27 como fundo de financiamento e apoio aos países em desenvolvimento que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos das alterações climáticas. A lógica por detrás do fundo é o reconhecimento da responsabilidade dos países mais desenvolvidos de auxiliar os países ainda em desenvolvimento nas perdas e danos sofridos com as alterações climáticas, dado que os países já desenvolvidos são, em grande parte, responsáveis pelo cenário de emissões de gases de efeito estufa e estão, há mais tempo, a contribuir para a gravidade do cenário.
Diversos países insistiram em Bonn que este é um ponto crucial da agenda e que precisa de evoluir no Dubai na COP28, pois a falta de especifidade em relação à implementação deste fundo, o seu valor e o destino adequado, são temas ainda em aberto e que comprometem a eficácia da decisão tomada no Egito durante a COP27.
Como mensagem final destes dias em Bonn, imersa no assunto das alterações climáticas numa conferência de importância ímpar, gostava de deixar nota do seguinte: não nos esqueçamos da ciência. Dos factos e dados apurados por instituições técnicas e de renome em relação à mitigação, adaptação e implementação das ações climáticas. Posicionamentos políticos são essenciais no trajeto para a transição que precisamos de fazer, e claro que não serão lineares ou sempre em concordância uníssona, mas por vezes discussões e debates de ordem política afastam-se ou negligenciam a urgência por detrás dos números. Não façamos isso. Acompanhemos as negociações e posicionamento dos países com olhos atentos e com racional crítico baseado no suporte que a ciência fornece em cada subtema relacionado ao assunto das alterações climáticas e em relação às principais decisões de ordem mundial que serão tomadas neste assunto que é tão transversal e impacta não só setores económicos, empresas e países mas, sobretudo as pessoas e o futuro do planeta.