Compensação do indébito previdenciário e obrigatoriedade de retificar guia

Reaver o indébito tributário é um direito do contribuinte amparado pelo Código Tributário Nacional, podendo se dar na forma de compensação administrativa, nos termos do seu artigo 170. Verificado o pagamento indevido ou a maior, é facultado ao contribuinte promover a compensação desses valores, cabendo à administração tributária ulterior análise do efetivo direito de crédito e o quantum a compensar.

A Lei nº 8.383/91 tratou do instituto da compensação tributária no seu artigo 66, estabelecendo a possibilidade de se compensar o indébito independentemente de prévia anuência da Receita Federal.

Apesar de o direito à compensação não ser uma questão controversa, a compensação de contribuições previdenciárias indevidamente recolhidas usualmente encontrou entraves legais, sendo alguns já superados, como o caso do limite compensável de 30% do valor devido no mês e a necessidade de compensação do indébito apenas com contribuições de mesma espécie.

Por vezes, o direito à compensação decorre de decisão judicial definitiva que declara o direito do contribuinte de reaver o tributo indevidamente recolhido. Surge, então, o legítimo interesse à restituição ou à compensação dos pagamentos considerados indevidos.

É o caso das “verbas indenizatórias” cuja incidência foi afastada pelo Superior Tribunal de Justiça, como o “auxílio doença nos 15 primeiros dias” e o “aviso prévio indenizado” (REsp nº 1.230.957/RS). Além do recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou ser inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade (RE nº 576.967).

Apesar da evolução dos sistemas de gerenciamento da arrecadação federal, ainda há inúmeros obstáculos tecnológicos à compensação do indébito previdenciário, especialmente quanto à necessidade do cumprimento de obrigações acessórias. É preciso lembrar que a operacionalização dessa compensação administrativa possui regramento próprio e diferente do aplicável aos demais tributos administrados pela Receita Federal.

Anteriormente a vigência do eSocial, a compensação de tributos previdenciários, cuja inexigibilidade havia sido reconhecida em decisão judicial, acontecia na própria guia de recolhimento e de informações à Previdência Social, com a obrigatoriedade da retificação das obrigações acessórias sem qualquer limitação no tempo (a obrigação se estende inclusive para as GFIP apresentadas há mais de cinco anos, desde que dentro do prazo prescricional da ação ajuizada). Já a inserção do crédito ocorreria na competência em que será compensado.

O Manual da GFIP reforça a necessidade de retificação da declaração na qual ocorreu o recolhimento indevido ou a maior mediante a entrega de nova guia e a Solução de Consulta Cosit n° 77/2018 ratifica o posicionamento da Receita ao considerar que a ausência de retificação da GFIP inviabiliza a compensação dos créditos previdenciários, o que implicaria também na aplicação de multa por descumprimento de obrigação acessória.

O entendimento das autoridades administrativas foi confirmado, em 2020, com a publicação da Solução de Consulta Disit nº 8001/2020, segundo a qual, a compensação de crédito previdenciário que decorrer de decisão judicial transitada em julgado, deverá ser precedida de retificação da GFIP na qual a obrigação foi declarada.

Em 2018, entrou em vigor o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), que permitiu que, para os contribuintes que estivessem sujeitos à nova sistemática de declaração, poderiam proceder ao reembolso do indébito previdenciário mediante habilitação de créditos em PER/DComp. No entanto, não foi alterada a necessidade de retificação da GFIP.

Para fatos geradores anteriores a entrada em vigor do eSocial, há a necessidade de se retificar as GFIPs enviadas para que o crédito a ser pleiteado em PER/DComp web seja liquido e exigível. E para aqueles fatos geradores, após vigência do eSocial, faz-se necessário a retificação da DCTFWeb, no mesmo intuito de se “liberar” o indébito tributário e transmiti-lo em seu pedido de compensação/restituição administrativa.

Ocorre que, operacionalmente, os contribuintes encontram dificuldades para retificar o lançamento original das contribuições previdenciárias que vieram a se tornar indevidas. Em primeiro lugar porque, como o salário de contribuição é uma base única para as contribuições dos empregadores e dos empregados, a retificação tem impacto direto nos direitos dos segurados, inclusive FGTS. Essas retificações impactam inclusive no computo de benefícios de aposentadoria, uma vez que a declaração é única e se utiliza para benefícios e aposentadorias.

Tem-se ainda a questão de ser trabalhoso e bastante complexo retificar a GFIP individualmente para cada um dos empregados em todas as competências em que se deu o recolhimento indevido. Além disso, muitas vezes o contribuinte não possui o backup das declarações enviadas, o que o impede de utilizar o seu crédito diante da necessidade de retificar milhares de guias.

Caso não seja esse o procedimento adotado, optando o contribuinte por fazer a retificação simplificada no campo da compensação para cada competência, junto ao Manad (Manual Normativo de Arquivos Digitais), há um risco provável de sofrer atuação fiscal. Em razão de a Receita entender que a prévia retificação da GFIP vinculada ao crédito é condição indispensável ao aproveitamento do indébito, as glosas de compensação por falta de retificação das obrigações acessórias tem sido foco de autuação por parte do próprio órgão, havendo aplicação inclusive de multa agravada prevista na legislação previdenciária, e não somente aquela prevista no artigo 32-A da Lei nº 8.212/91.

A discussão acerca da necessidade de retificar a GFIP foi levada ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) pelos municípios após declaração de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, da inclusão dos agentes políticos como segurados obrigatórios do Regime Geral da Previdência Social. Para esses casos, especificamente, havia a Portaria MPS nº 133/06 e a Instrução Normativa nº 15/2006 que exigiam a retificação da GFIP para que se pudesse promover a compensação do indébito (Acórdãos 10972.720025/2011-51 e 11040.720215/2012-32). Decisões neste sentido determinam que a prévia retificação deveria se dar quanto ao lançamento de cada detentor de mandato eletivo.

Em 2016, Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf que entendeu que a ausência de retificação da GFIP não retira do contribuinte o direito à compensação de contribuições recolhidas indevidamente. No julgamento do PTA nº 15940.000077/2011-06, a CSRF entendeu que “o fato de o ente público não retificar a GFIP, excluindo os agentes políticos, não pode constituir óbice à compensação ou restituição quando constatado o direito creditório do recorrente, sem prejuízo de eventual autuação por descumprimento da obrigação acessória relacionada à prestação de informações em GFIP”.

Nesse sentido, tem prevalecido no Carf o entendimento de que a Fiscalização não pode indeferir o direito de crédito em razão de descumprimento de obrigação acessória. Lado outro, nestes casos entende que se deve aplicar a multa qualificada de que trata o §10 do artigo 89 da Lei nº 8.212/91, no percentual de 150% sobre o valor total compensado.

No âmbito judicial, destaque-se a decisão monocrática da ministra Regina Helena Costa no Recurso Especial n° 1.501.140, na qual considerou-se que a imposição de retificação da GFIP não está prevista em lei, mas apenas em instrumentos normativos secundários (Portaria MPS nº 133/06).

A discussão é controversa, todavia há sólidos fundamentos para se defender que a ausência de retificação detalhada da GFIP não afasta o direito de compensar o indébito previdenciário, não obstante o risco de aplicação de multa. Afinal, o entendimento de que o descumprimento de obrigação acessória é impeditivo ao aproveitamento de crédito impõe ao contribuinte obstáculo ao direito à compensação sem qualquer respaldo em lei (artigo 170 do CTN, artigo 74 da Lei nº 9.430/96, artigo 26 da Lei 11.457/07).

E agora, tem sido observado mais entraves sistêmicos para a retificação da DCTFWeb, já na vigência do eSocial, para se aproveitar os créditos de natureza previdenciária nas compensações, principalmente com a extinção de dois códigos de receita da Darfs. Observa-se que o indeferimento dos PER/DCompweb tem sido praticamente automático, caso os contribuintes não retifiquem as suas declarações acessórias, viabilizando a liquidez e certeza do crédito pleiteado.

Apesar dos robustos argumentos que podem ser invocados para afastar a exigência de retificação da GFIP ou da DCTFWeb, por ofensa ao princípio da legalidade, o contribuinte deve verificar a melhor estratégia a ser tomada especificamente no seu caso, adotando uma postura mais conservadora, mediante retificação completa da de suas obrigações acessórias, visando evitar um passivo desnecessário.


Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública. (Vide Decreto nº 7.212, de 2010)

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.