ANEEL regula a Conta Escassez Hídrica

Foi aprovada nesta terça-feira, 15 de março, na Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a regulação da Conta Escassez Hídrica, que estabelece novas medidas de enfrentamento aos impactos financeiros decorrentes da situação de escassez hídrica, aprimorando a regulamentação do Decreto nº 10.939/2022.

  • Medida Provisória nº 1.078/2021 e Decreto nº 10.939/2022

Diante dos impactos financeiros no setor elétrico decorrentes da situação de escassez hídrica em 2021, a mais severa observada em mais de 90 anos no país, somada ao aumento no preço dos combustíveis fósseis, os custos de geração de energia e a pressão no caixa das distribuidoras de energia elétrica, que funcionam como arrecadadoras de receitas e encargos setoriais, foram muito grandes.

Para endereçar a questão, em 13 de dezembro de 2021, o Governo Federal publicou a Medida Provisória n° 1.078 (MP 1.078/21) com medidas destinadas ao enfrentamento desses impactos financeiros, considerando inclusive os diferimentos aplicados nos processos tarifários anteriores, consubstanciada pela autorização de contratação de operações financeiras.

Posteriormente, visando a regulamentação da MP, sobreveio o Decreto n° 10.939, de 13 de janeiro de 2022, que estabeleceu as regras de funcionamento da chamada “Conta Escassez Hídrica”, destinada a receber os recursos para o enfrentamento da crise.

  • Consulta Pública ANEEL nº 02/2022

A MP 1.078/21 determinou que a ANEEL aprovasse as operações financeiras previstas e apurasse eventuais valores excedentes captados, e tais obrigações foram detalhadas pelo Decreto 10.939/22. A MP e o Decreto definiram os seguintes custos como passíveis de inclusão nas operações financeiras:

  1. Saldo estimado da conta bandeiras para a contabilização de abril/2022;
  2. Despesas com importação de energia elétrica em julho e agosto de 2021;
  3. Despesas decorrentes do Programa de Redução Voluntária do Consumo de Energia Elétrica (setembro a dezembro de 2021);
  4. Diferimentos tarifários aplicados nos processos tarifários anteriores a liberação dos recursos; e
  5. Custos totais ou parciais relativos à receita fixa dos contratos firmados por meio do Procedimento Competitivo Simplificado (PCS) do período de maio a dezembro de 2022.

Diante dessas determinações legais, a ANEEL instaurou a Consulta Pública nº 02/2022 (CP 2/22) dispondo de minuta de Resolução Normativa para contribuições dos agentes interessados.

A minuta de normativo estabeleceu regras sobre (i) a estrutura de custos da Conta Escassez Hídrica, (ii) os repasses dos recursos às distribuidoras, (iii) atuação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), (iv) o encargo da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para fins de pagamento da Conta Escassez Hídrica (CDE Escassez Hídrica), (v) liquidação das operações de crédito, (vi) ressarcimento dos custos ao consumidor, e (vii) o Termo de Aceitação a ser assinado pelas distribuidoras, onde deverão indicar todos os montantes de recursos do programa que pretendem utilizar, com base nos limites de captação da operação de crédito para cada distribuidora indicados pela ANEEL – a soma total de todos os recursos disponibilizados para os diversos agentes de distribuição ultrapassava R$ 10,7 bilhões.

  • Contribuições na CP 2/22

De maneira geral, o segmento de distribuição de energia se mostrou favorável ao programa Conta Escassez Hídrica, e ressaltaram os benefícios trazidos aos consumidores que terão diluídos no tempo os custos advindos da crise hídrica.

Naturalmente, associações e distribuidoras interessadas apresentaram ressalvas específicas no âmbito da CP 2/22. Foi suscitada, por exemplo, a necessidade de que a ANEEL disponibilizasse as premissas que orientaram o cálculo dos limites de recursos impostos à cada distribuidora, e que fossem considerados os valores atualizados pela SELIC ou pelo IPCA.

Também foram propostas alterações na redação da Resolução Normativa e do Termo de Aceitação, a fim de evitar interpretações ambíguas ou descasadas do Decreto 10.939/22, como quanto ao prazo de reversão dos passivos nos processos tarifários de forma compatível com o prazo de amortização das operações financeiras, e quanto à vedação a questionamentos judiciais e administrativos e condições de renúncia estabelecidos no Termo de Aceitação.

  • Deliberação pela ANEEL

Em 15 de março, durante a 2ª Reunião Pública Extraordinária de 2022, foram realizadas sustentações orais pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE), pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e pelo Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica (CONACEN).

As sustentações orais apontaram algumas críticas à política pública discutida. A ABRADEE reforçou a diferença entre as receitas a serem obtidas e o valor da conta. O IDEC reforçou o curto período de contribuições da consulta pública, enquanto a CONACEN criticou a medida, entendendo que o empréstimo não seria inevitável e que os consumidores não podem ser responsabilizados por todas os custos do setor, sugerindo ainda a possibilidade de manutenção da Conta Bandeira Escassez Hídrica por mais alguns meses em opção à realização de empréstimos para pagamento estendido ao longo de vários anos com incidência de juros e atualizações monetárias.

Em atenção às manifestações em sustentação oral, o Procurador-Geral junto à ANEEL, o Diretor-Relator e também os representantes das áreas técnicas, em suas respectivas falas, ressaltaram que a Agência apenas regulamentou as determinações da política pública estabelecida em medida provisória e decreto federal. O relator ainda reforçou que a consulta pública da Conta Escassez Hídrica espelhou aquela da Conta-Covid, e que a Aneel não teria discricionariedade para alterar a política pública discutida, estando limitada principalmente à realização dos cálculos para instituição da Conta Escassez Hídrica.

O Procurador-Geral se manifestou informando que não foi apresentado parecer técnico pela Procuradoria nos autos da consulta pública pela ausência de discussão jurídica, mas ressaltou a participação constante da área em todas as discussões internas da Agência.

Representantes das superintendências realizaram apresentação técnica demonstrando as atualizações entre a abertura e o encerramento da CP 2/22, dentre as quais ressaltou-se (i) a consideração dos diferimentos dos processos tarifários até 8 de abril deste ano, (ii) o repasse dos valores associados ao saldo da bandeira tarifária apenas em junho de 2021 e (iii) que os valores associados ao saldo da bandeira tarifária e ao Procedimento Competitivo Simplificado (PCS) de contratação de energia de reserva serão aceitos na íntegra, não sendo possibilitado a indicação do montante pelas distribuidoras como dos demais valores (importação, bônus e diferimentos).

Também foi demonstrada uma redução de aproximadamente R$ 300 milhões do teto dos recursos a serem financiados, decorrentes da queda dos valores da Conta Bandeira e aumento dos diferimentos dos processos tarifários, contudo, foi reforçado que na celebração dos contratos da Conta Escassez Hídrica entre CCEE e distribuidoras, a ANEEL revisitará todos os cálculos na aprovação prévia exigida pelo Decreto 10.939/22.

A Diretoria da ANEEL, à unanimidade dos diretores presentes, aprovou os resultados da CP 2/22 que deverão ser publicados em forma de Resolução Normativa nos próximos dias.

O Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados segue acompanhando as movimentações do setor elétrico, e se coloca à disposição para esclarecer eventuais dúvidas sobre o tema.